quarta-feira, 5 de janeiro de 2011



05 de janeiro de 2011 | N° 16571
PAULO SANT’ANA


Memorizar emburrece

Era de se ver, ontem, a multidão de músicos, cantores, cineastas, escritores, jornalistas que desfilaram diante do caixão do pianista Geraldo Flach. Um velório concorrido e afirmativo do prestígio que ele gozava no meio artístico e cultural.

Flach era leitor diário desta coluna há mais de 30 anos. Lia-me e me telefonava para comentar. Eu sempre prometia a ele que um dia faríamos, os dois, um show no Theatro São Pedro. Fica pra outra, irmão.

Mas não pude assistir, quatro dias antes, ao velório do professor e matemático Túlio Santos, que era meu amigo e a quem eu considerava um gênio.

Morreu de mal comigo o Túlio Santos, sabem como são estas brigas de amores...

Já é o segundo amigo que morre brigado comigo. O primeiro foi o Hugo Amorim. Eles eram muito orgulhosos e não atendiam a meus pedidos suplicantes para que fizéssemos as pazes. O delegado Roberto Pimentel é testemunha dos meus rogos, mas eles ficaram de mal comigo até morrerem.

É uma pena. Eu adorava o Amorim, o Túlio e o Flach. A morte, esta carnívora assassina, teima em devorar os meus amigos.

E como vou ficar, cada vez em maior solidão?

Quis chamar meu neto pelo nome na semana passada e não me lembrava do nome de meu neto.

Não me envergonho disso. Albert Einstein passou duas horas procurando seus óculos no pátio da Universidade de Princeton, até que se lembrou de que seus óculos estavam empoleirados em cima de sua testa.

O que eu quero dizer é que quem vive memorizando as coisas torna-se pouco inteligente.

Explico melhor: quem vive arquivando os fatos na memória, os flagrantes, os números, as palavras, tudo, acaba enchendo a sua cabeça de dados, não deixando lugar em seu cérebro para as ideias e os raciocínios.

Memorizar, assim, afirmo ineditamente, emburrece.

A cabeça não tem que guardar, isso é tarefa do computador, a cabeça só tem de pensar, o que, afirmo, o computador não sabe fazer.

A esse respeito, me contaram uma história estupenda: 20 casais foram excursionar em Gramado por uma semana.

Passados três dias, 19 homens procuraram o 20º e se reuniram com ele:

– Dize-nos uma coisa, Carvalho, nós, os 19, chamamos nossa mulher pelo nome aqui no convívio do hotel. Só tu é que não chama tua mulher pelo nome, chamas ela por qualificativos: “Vida”, “Pérola”, “Docinho”, “Mamão”, “Ternura”. Por que afinal fazes isso? – perguntaram os 19.

E o Carvalho respondeu: “É que eu me esqueci do nome dela”.

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