terça-feira, 4 de janeiro de 2011



04 de janeiro de 2011 | N° 16570
MOACYR SCLIAR


Esporte & grana

Aqueniana Alice Timbilili conquistou seu segundo título na corrida de São Silvestre, quebrando o recorde de velocidade. Já seu compatriota James Kwambai, vencedor em 2008 e em 2009, não chegou ao tricampeonato; quem venceu a prova foi o brasileiro Marilson Gomes dos Santos. O que não deixou de surpreender; a vitória de Kwambai era tida como certa, mesmo porque há oito décadas o Quênia é conhecido como um celeiro de maratonistas triunfantes.

Há várias explicações para isso, tanto em termos de biologia quanto de modo de vida. Para começar: cerca de três quartos dos corredores quenianos pertencem à tribo Kalenjin, que vive numa região elevada, de ar rarefeito, o que pode desenvolver a capacidade respiratória. O desenho corporal (pernas longas, torso curto) ajuda.

Depois, temos o modo de vida. É gente pobre, que não tem carro e que, para criar gado, sua principal forma de sustento, precisa andar ou correr, muitas vezes de pés descalços (e, descalço, o africano Abebe Bikila venceu a maratona de Roma).

Os Kalenjin representam só 12% da população do país e 0,001% da população do planeta; no entanto, conquistaram 70% das medalhas nas provas mundiais de corrida de longa distância.

Não é de admirar que para eles, e para os quenianos, a corrida tenha se transformado no esporte nacional, da mesma forma que o futebol para os brasileiros, e por motivos semelhantes: no nosso caso, terrenos baldios e bolas de meia facilitaram o surgimento de craques.

Mas termina aí a semelhança. Partidas de futebol galvanizam multidões. São dois times, um frente ao outro, são as jogadas sensacionais, é a vibração do gol. Na maratona, a disputa é antes de mais nada pessoal, interior, com o corredor se perguntando constantemente: “Será que eu vou aguentar?”.

É muita gente, não raro uma mistura de profissionais e amadores (o senador Eduardo Suplicy já garantiu que vai correr a próxima São Silvestre). Resultado: jogadores de futebol podem ganhar quantias fabulosas, mas o mercado para maratonistas não é tão generoso, sobretudo nesta época de crise econômica na Europa e nos Estados Unidos.

No último ano, a maratona de Hamburgo, Alemanha, reduziu o prêmio de 40 mil para 6 mil euros, algo como R$ 13,3 mil, o que não é nenhuma fortuna. E os quenianos não foram convidados, provavelmente porque os organizadores da prova não tinham como trazê-los.

O queniano Timo Limo, que venceu a maratona de Praga, voltou para casa com 120 euros, fração insignificante de suas despesas de viagem. E, para coroar este quadro desanimador, num país pobre é difícil encontrar patrocinadores para atletas.

Esporte hoje é negócio. Mas, para o maratonista que, ofegante, cruza a linha de chegada, é mais que isso. É um desafio, uma prova de que o ser humano, ajudado ou não pela natureza, pode superar suas limitações, como mostrou a humilde e valorosa Alice Timbilili. Na maratona esportiva ou na maratona da vida, todos temos o nosso lugar, ainda que não muito bem pago.

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