segunda-feira, 3 de janeiro de 2011



03 de janeiro de 2011 | N° 16569
PAULO SANT’ANA | CLÓVIS MALTA (INTERINO)


O aprendizado da paz

O primeiro dia útil do ano é uma boa data para se colocar resoluções em prática, e não apenas aquelas que costumam nos afligir a cada começo de segunda-feira. Assim como é possível erguer castelos de nuvens na imaginação ou nos sonhos, na realidade do cotidiano também dá para se encarar a paz como o objetivo de um imenso e permanente canteiro de obras.

Basta acreditar nisso e será mais fácil arregimentar pessoas determinadas a contribuir com ações concretas para edificar esse valor.

Quem acompanhou com atenção a discurseira dos governantes empossados na virada do ano percebeu que alguns, a começar pela presidente Dilma Rousseff, fizeram menção a essa palavrinha de apenas três letras – entre as quais a primeira e a última do abecedário. Que tal, então, inaugurar a agenda com esse monossílabo poderoso? Melhor ainda se grafá-lo e escrever do lado: “Cobrar dos políticos”. Perfeito se acrescentar: “E de mim”.

Se alguém tivesse se proposto a contar quantas vezes o termo paz foi referido nas felicitações de mudança de ano, verbalmente ou nas mensagens despachadas por tambor, pelo correio, pela internet, pelos telefones móveis ou fixos, ou mesmo só na intenção, estaria à frente agora de um daqueles números de dar a volta à Terra, talvez também na Lua...

A paz, tão banalizada sob a emoção de fogos de artifício, eventualmente do champanha, das lágrimas e dos sorrisos, é mais viável a partir do olhar de uma criança do que dos adultos. Seres humanos são normalmente educados para ter, não para ser. Aprendem cedo a competir, a derrotar – afinal, a vida não é uma guerra de batalhas diárias, sem trégua? Habituam-se também a recusar desaforo, a revidar no ato, sem contar sequer até três.

Na defesa de direitos que consideram para sempre seus e de mais ninguém, os adultos estão geralmente mais preocupados em afastar do caminho quem é visto como ameaça a supostas conquistas ou ao bem-estar percebido como perene e imutável. Saiu dos padrões? Exclusão. Dá a impressão de ter pirado? Hospício, ou no mínimo um rótulo de louco. Incomodou? Cadeia. De preferência bem longe, pois queremos mais e mais prisões, mas à distância, não é isso?

A paz que deveríamos almejar não é a resultante de conflitos do dia a dia sufocados pelo autoritarismo, à força ou no grito. Tampouco é a exibida por pessoas para as quais isso ou aquilo parece indiferente, pois tanto faz. Não é também a comumente atribuída aos cemitérios.

Sim, pois a criminalidade está aí, sorrateira e aterradora, sem respeitar sequer os mortos, muito menos os pacifistas. A paz com a qual poderíamos nos comprometer hoje no papel e no plano virtual, copiando para os outros dias do ano, é a buscada pelo diálogo, pelo respeito à diferença, pela aceitação da divergência, pela promoção da igualdade, pelo exercício da tolerância.

É ver mais e se perceber no olhar do outro, é ter compaixão pelos que sofrem – mesmo de quem nos perturba ou incomoda –, é ouvir, é tentar encontrar sempre uma brecha pela qual estabelecemos contato e podemos somar forças num projeto de construção permanente. Mas é sobretudo educação – educação voltada para a paz. Por isso é preciso ter fé nas crianças. Por isso a crença nos adultos, aos quais cabe passar adiante esses valores.

Uma verdadeira cultura de paz procura transmitir a pequenos seres humanos a noção de que cada palavra, mesmo minúscula, cada gesto nosso, inclusive pensamentos, têm o poder de impactar o mundo. Um projeto de paz é o que se constrói a partir da consciência de nossas limitações e fraquezas, mas também da certeza de que, sem se levar a sério alguns princípios – e aí o recado serve especialmente para os políticos – fica difícil alcançar o progresso.

Pode-se até conquistar a prosperidade ignorando esses pressupostos, no plano individual e coletivo, mas no final, bem lá no fundo, será como se nada fizesse sentido.

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