terça-feira, 5 de agosto de 2008



05 de agosto de 2008
N° 15684 - LUÍS AUGUSTO FISCHER


Biografia de livro

A palavra biografia, como todo sujeito escolarizado sabe, se compõe de duas matrizes, “bio”, igual a vida, e “grafia”, igual a escritura. Soma total: biografia quer dizer relato de uma vida.

Por aí, com boas razões, pensamos em biografia em associação necessária e fatal com a narrativa da vida de um sujeito, regra geral alguém que se destacou por algum feito.

Aí está a biografia de Paulo Coelho, que não nos deixa mentir (apenas comecei a lê-la, parei por falta de tempo, mas já me agradou, apesar de algum erro crasso, como o de mencionar José de Alencar como fundador da Academia Brasileira de Letras, impossível, porque Alencar morreu em 1877, e a Academia só abriu os trabalhos em 1897).

Mas biografia, a palavra, pode também servir para designar outra vida, a vida de outro ser, não um desses como o leitor e eu que estamos aqui respirando, mas de natureza diversa. Por exemplo: um livro que entrou para a corrente sangüínea da cultura de todo o Ocidente, de todo o planeta. Ou dois, do mesmo autor: a biografia da Ilíada e da Odisséia, ambos tradicionalmente associados ao nome de Homero.

Esta biografia existe: foi escrita por Alberto Manguel, editada aqui pela Jorge Zahar (tradução de Pedro Maia Soares). O livro se inscreve numa coleção de biografias de grande livros, como a Bíblia, o Capital, o Corão, e assim por diante. Companhia adequada, como se vê.

O livro de Manguel (autor que se notabilizou por alguns títulos de enorme interesse, como Uma História da Leitura) repassa o que foi, o que é, a vida desses dois monumentos da sensibilidade humana, escritos, ao que se sabe, no século 12 antes de Cristo. Escritos por Homero? Bem, este é apenas um dos incontáveis temas do livro de Manguel.

Não há a menor certeza de que houve um Homero, que pode ter sido um indivíduo ou um conjunto de indivíduos, que segundo uma especulação teria sido mulher. As teorias sobre a questão, repassadas no livro, conferem uma deliciosa dimensão humana aos relatos homéricos.

Há até mesmo um breve resumo de cada um dos cantos dos dois relatos. Nada tão completo quanto a leitura do texto integral, que é difícil e talvez requeira toda uma vida.

(O leitor de hoje tem a vantagem de contar com uma versão atualizada da Ilíada no excelente romance de Cláudio Moreno, Tróia, da L&PM.) Além disso, o livro de Manguel repassa os principais comentários e influências de Homero, em todos os tempos, até Borges.

Uma viagem da melhor qualidade, que repõe, em um texto muito bom de ler, uma extensa erudição acumulada em torno do tema, há séculos.

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