terça-feira, 5 de agosto de 2008



05 de agosto de 2008
| N° 15684 - MOACYR SCLIAR


Política e Olimpíada

Para a China é importante sediar a Olimpíada: confirma seu papel como potência emergente, atrai turistas, garante espaço na mídia. E, ao mesmo tempo, dá seqüência a uma velha e curiosa tradição do comunismo: a valorização do esporte.

O que atendia a muitas necessidades. Em primeiro lugar, esporte significa vigor, saúde; encaixava-se muito bem, portanto, na imagem do novo homem que o comunismo esforçou-se por criar: cidadãos sadios (e, importante, trabalhadores sadios). Um objetivo não muito fácil de conseguir.

Apesar da rígida moral comunista, que se manifestava inclusive no rechaço das “perversões”, como a homossexualidade, até recentemente perseguida em Cuba, o controle de hábitos pessoais era mais difícil, porque se tratava às vezes de costumes arraigados.

Os russos sempre tomaram vodca, sempre fumaram; os cubanos continuam fabricando, e exportando, charutos. Mas esporte era diferente, esporte poderia estar ao alcance de todos: mente sã (sã do ponto de vista marxista-leninista-stalinista) em corpo sadio.

Havia uma segunda e importante razão. O comunismo substituiu a economia de mercado por um rígido planejamento centralizado. Fazia-se um cálculo – por exemplo, de quantas panelas precisava a União Soviética – e este era o número de panelas fabricado, nem uma a mais nem a menos.

Não existiam marcas diferentes, não existia concorrência, não existia publicidade. Teoricamente há nisto uma racionalidade, mas esta racionalidade tem um inesperado calcanhar-de-aquiles: o capitalismo pode ser predador, pode ser selvagem, mas é muito mais divertido do que o comunismo.

A competição pelo mercado envolve emoção, criatividade, truques espertos, inclusive por causa do desejo de lucro, de ascensão social. O comunismo não podia oferecer isto. O stalinismo até instituiu prêmios de produtividade.

Era o stakhanovismo, uma homenagem a Alexey G. Stakhanov, um mineiro de carvão que, em 1935, teria extraído cem toneladas de carvão em cinco horas (depois se descobriu que isto era mentira; o carvão dos companheiros de mina de Stakhanov tinha sido somado ao dele). A partir daí, a competição para ver quem produzia mais se generalizou.

Os prêmios eram troféus, não grana, e o interesse neles era inevitavelmente limitado. Já a glória esportiva tinha repercussão mundial, levava os atletas para vários pódios em vários países, com a vantagem de não exigir trabalho em minas.

Por último, mas não menos importante, havia o prestígio político resultante das vitórias na competição. Não só os países comunistas estavam atrás disso;

Hitler transformou as Olimpíadas de 1936, em Berlim, num vasto espetáculo de propaganda nazista e racista, filmado pela famosa cineasta Leni Riefenstahl, e apenas perturbado pelo fato de o atleta negro americano Jesse Owens ter ganho quatro medalhas de ouro.

Será que a China ainda é comunista? Na economia provavelmente não. Mas em matéria de esporte ainda guarda muito de seu passado vermelho. Como diz o hino da Internacional Comunista: “De pé, ó vítimas da fome.”

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