domingo, 3 de agosto de 2008



03 de agosto de 2008
N° 15682 - PAULO SANT’ANA


Força e beleza

Às vezes, fico me perguntando por que motivo oculto não fui escolhido na loteria da criação para ser um antílope, um marabu, uma hiena, um gnu ou um cabrito-montês, e viver nas savanas ou montes africanos, percorrendo 1,5 mil quilômetros em busca das chuvas, até que as monções me oferecessem folhas ou carne para o meu sustento.

Por que Deus, a Providência ou o destino não me encarregaram de ser um elefante-marinho na Patagônia ou babuíno no sul da África, o primeiro animal a ter de disputar com outros machos cerca de às vezes até 200 fêmeas, em lutas ciclópicas, que vão determinar qual o macho dominante que submeterá o imenso harém aos seus caprichos eróticos exclusivos?

E se fosse eu um macho de elefante-marinho, depois de derrotado pelo macho dominante, ainda reuniria forças para de vez em quando, de dois em dois anos, sub-repticiamente, conseguir manter um rápido congresso carnal com uma fêmea, aproveitando-me do descuido do macho dominante?

E se fosse eu um babuíno, pertencente a uma espécie que não costuma empenhar-se em lutas para escolher o seu macho dominante, preferindo manter essa disputa no nível das caretas,

teria força e destreza nas mandíbulas e nos lábios para atemorizar os meus concorrentes com caretas suficientes para aterrorizá-los com a mostra de minhas duas terríveis presas tentaculares a ponto de intimidá-los a ceder o plantel feminino para a minha sanha afrodisíaca?

Estranho método esse de determinadas espécies de disputar na força bruta ou nas caretas as suas mordomias sexuais com suas fêmeas, tornando o prazer ditatorial,

ao contrário daquelas gigantescas nuvens de milhões de pardais africanos e outros pássaros da savana, que por serem em número incontável, democratizam o sexo, impossibilitados de formarem uma cadeia de controle sobre suas fêmeas e permitindo que todos usufruam da lubricidade e da procriação.

Já com os homens, mais inteligentes e mais sensíveis, esses currais sexuais se constroem sob o signo da beleza, do talento e do dinheiro, armas que os machos usam para atrair as fêmeas, embora o acasalamento seja um traço da civilização,

daí que o homem inventou o casamento para democratizar melhor o sexo, tentando estabelecer que cada mulher deverá pertencer a um único homem, o que oferece mais chances a todos para os prazeres da concupiscência, beneficiando-se assim até mesmo os fracos, os pobres e os incultos.

Eu sinto uma pena dos machos de elefantes-marinhos que, vencidos em combate pelo macho dominante, são obrigados a permanecer a vida inteira nas praias, ao lado das fêmeas formosas e estuantes, sem no entanto poderem atrever-se a tocar nelas,

sem poderem usufruir do próprio apetite e do apetite sexual delas, 200 fêmeas para um só macho dominante é um grande desperdício, por certo essa regra deixa também insatisfeitas as fêmeas, que também se tornam abstinentes pelo monopólio aterrador do macho dominante.

Melhor se conduzem certamente outras espécies de mamíferos e de peixes ou crustáceos, entre as quais o sexo é livre e os machos se entregam à poligamia e as fêmeas à poliandria, ninguém é de ninguém, como de certo decretou a natureza e teimam em contrariá-la os elefantes-marinhos e os babuínos, empenhados num imperialismo sexual arrogante e aviltante para os machos vencidos.

Evidentemente que algumas outras espécies animais devem praticar muito antes dos homens as leis de cotas sexuais, pela qual os fracos, os oprimidos, os destituídos de força e de beleza, estes têm o direito da prática sexual, ainda que menos freqüente, mas pelo menos digna e não ultrajante.

Isso tudo me vem à mente porque um dos defeitos mais graves da criação e da natureza é a diferenciação entre os indivíduos, de modo que desde o nascimento até a morte alguns tipos são marcados pela fraqueza ou pela feiúra, privilegiando os fortes ou os belos, tornando um paraíso a vida de uns e a dos outros um inferno.

Fosse perfeita a natureza, todos os seres humanos ou animais seriam completamente iguais, diferentes no aspecto, mas todos atraentes, capazes de exercitarem junto ao sexo oposto a mesma força de sedução.

Mas fico pensando: se todos fossem iguais, como se destacariam a liderança e o domínio? Pelo talento, ora pois.

Mas a natureza ou a criação ao designarem quem haveria de ter maior e menor talento não estariam assim também discriminando?

É uma encrenca.

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