terça-feira, 3 de junho de 2008



DETRAN PARA TODOS

Um carioca me disse que os gaúchos são os argentinos do Brasil. Sempre se acham melhores do que os outros. Foi mais longe e garantiu que essa história de 'alma castelhana' é conversa fiada. Gostaríamos de ter mesmo é uma alma argentina.

Eu até tomei isso como um elogio. Gosto dos argentinos. Adoro Borges e Ricardo Güiraldes. Em termos de literatura, já disse, eles nos dão de relho. Ouço tango quase todo dia.

Vou a Buenos Aires, ao menos, uma vez por ano. Admiro o futebol argentino. Prefiro os vinhos argentinos aos chilenos. Enfim, gosto daquela empáfia meio debochada e meio séria dos nossos hermanos.

Mesmo assim, tentei nos defender. Afinal, roupa suja se lava em casa. Desejei-lhe que o Rio de Janeiro caia de Boca. Agora, pensando bem, ele tinha um pouco de razão.

Durante décadas, bancamos as únicas virgens imaculadas da Nação. Todo mundo roubava, menos político ou burocrata gaúcho. Tínhamos até um PMDB ético. Era profundamente discriminatório com o restante do país. Essa atitude elitista e exibicionista nos trazia enormes problemas.

Éramos malvistos, segregados e até menosprezados. Ninguém conseguia aturar essa nossa mania de joãozinho-do-passo-certo. O pessoal olhava para a gente com aquela desconfiança com que alguns estudantes olham para quem senta na primeira fila.

Não bastasse isso, no passado, formamos ou treinamos ditadores: Getúlio Vargas, Médici, Geisel, etc. A contramão era o nosso diferencial.

Enfim, estávamos isolados do país. Vez ou outra, um escândalo de corrupção era abafado. Em geral, o principal argumento usado para eliminar a suspeita era a nossa proverbial e insofismável tradição de virtude. Não havia corrupção porque não éramos corruptos. Melhor prova do que essa não existe. O escândalo do Detran veio nos redimir.

Finalmente somos como todo mundo. Até no número de indiciados: 40 no mensalão, 40 aqui. Esse número é sugestivo pelo que representa na história das fábulas que todos conhecem. Assim, não deixa dúvida: rompemos uma barreira. Ultrapassamos um limite. Vencemos um tabu.

Eu já havia escrito sobre isso há algum tempo. Volto ao assunto por causa da magnitude dessa transformação. O mensalão já havia liquidado a insuportável virgindade do PT. O caso Detran veio demonstrar que a corrupção não tem cor, classe social ou ideologia. É suprapartidária.


Outra vantagem da nossa corrupção é que agora os nossos parlamentares podem brilhar numa CPI emocionante, quem sabe a mais empolgante e rasteira da nossa história. Imagino a tristeza dos nossos eleitos vendo tantas CPIs em Brasília, enquanto aqui, grande marasmo, nada acontecia.

Tivemos algumas CPIs no passado. Já estavam quase esquecidas. Como toda CPI, as nossas também terminam em pizza. Quer dizer, em chopinho de fim de tarde e churrasco noturno.

Há quem sustente que as reprovações de motoristas eram justas e que a corrupção tinha o mérito de obrigá-los a treinar mais. O mesmo carioca, insuportável, teve a ousadia de dizer que dirigimos mal. Não pude contestá-lo. Não sei dirigir.

Os gaúchos reclamam da pouca atenção da mídia nacional com as nossas coisas. Creio que se deveria criticar as grandes redes de televisão pelo pouco espaço que estão dando ao caso Detran em seus jornais.

Já que nos tornamos iguais a todos, queremos ser tratados como todo mundo. A cada um segundo o tamanho do seu escândalo!

juremir@correiodopovo.com.br

Uma ótima terça-feira ainda que com chuva por aqui e previsão de ciclone tropical outra vez

Um comentário:

Anônimo disse...

Argentinos, Nuestros Hermanos dos Brasileiros