sexta-feira, 6 de junho de 2008



06 de junho de 2008
N° 15624 - José Pedro Goulart


A pedra rolando

A morte jogando xadrez; um osso girando no espaço; um rinoceronte no porão de um navio; o sapateado vibrante na chuva; um prosaico trenó na neve; o sangue abundante no ralo do banheiro; a navalha cortando um olho; um casal envolto pela neblina na pista do aeroporto. Quais são as imagens mais marcantes do cinema?

Quem sabe uma pedra rolando atrás de um arqueólogo excêntrico em fuga alucinante? Uma cena especial, com certeza, nesses mais de cem anos de cinema. E também uma síntese da existência - afinal o que é a vida senão correr e correr, sabe-se lá para onde, que atrás vem pedra (ok, adaptei um pouco)?

E então, num estalido de chicote, se passam mais de 20 anos. Tirado das profundezas da nossa memória afetiva, o garboso Indiana Jones de Os Caçadores da Arca Perdida ressurge. Mas espere! Ele parece combalido, arqueado, ofegante.

Melhor que tivesse ficado nos cafundós das nossas lembranças. Se era para vir desse jeito, ambivalente (como se tivesse consciência de que a pedra irá um dia vencê-lo), que ficasse restrito às reprises das sessões da tarde. Afinal, para que servem os heróis senão para serem projeções de invencibilidade e imortalidade?

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, em cartaz em quase todos os lugares, tem defeitos múltiplos dessas e de outras ordens. E um maior ainda: é chato. E um filme de aventura chato tem a mesma serventia para o público que um eunuco num harém.

Muito se fala da crise no cinema. Agora mesmo em Cannes, o comentário é que estava difícil prever os vencedores; e não pelo excesso de bons concorrentes, mas pela falta. Para quase todos os lados que se olhe, há um esgotamento que não se abranda certamente pela encruzilhada que a pirataria ou a difusão na internet a la You Tube proporcionam.

De modo que a volta do Indiana Jones é uma tentativa de recuperar o sopro de diversão inteligente que ele trouxe quando surgiu nos anos 80. Porém, calcado em um roteiro infantilizado e confuso, o esforço vale o mesmo que tentar tirar leite de uma vaca empalhada.

Uma opção seria examinar a revolução que os filmes de animação, liderados pela Pixar, proporcionaram há alguns anos. Nada como uma "novidade" inteligente, antídoto sempre eficiente em caso de envenenamento por aborrecimento.

Virar-se para trás é sempre perigoso (olha a pedra!), e ainda com o perigo extra de se transformar numa estátua de sal.

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