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terça-feira, 4 de março de 2008
HISTÓRIA REGIONAL DA INFÂMIA’
Há muitas formas de se falar da barbárie entre nós. Pode-se defender que 'Os Sertões', de Euclides da Cunha, é um dos mais brilhantes capítulos de um livro que o argentino Jorge Luis Borges escreveria mais tarde, 'História Universal da Infâmia'.
Mas Borges era um conservador e preferiu excluir da sua obra monumental e fictícia, embora baseada em supostos fatos reais, uma parte, talvez por ser verdadeira, que me parece extremamente interessante e ainda atual, uma 'História Regional da Infâmia'.
Os capítulos desse livro, que pretendo escrever um dia para dar continuidade retroativa à obra borgiana, poderiam incluir vários episódios e personagens da história do Rio Grande do Sul já abordados por muitos autores:
o massacre dos lanceiros negros em Porongos, o duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires, as degolas de Boi Preto e Rio Negro, o negro degolador Adão Latorre com sua faca prateada, os crimes da Rua do Arvoredo, em que se fazia lingüiça com carne humana, etc.
Um fato de envergadura continental aconteceu em 1º de março de 1870, a batalha de Cerro Corá, penúltimo, mas decisivo, combate da Guerra do Paraguai, em que 4,5 mil soldados aliados enfrentaram 250 famigerados paraguaios defensores do ditador Solano Lopes, considerado uma espécie de Hugo Chávez da época.
Há controvérsia entre historiadores a respeito de tudo o que envolve a Guerra do Paraguai. Alguns, por exemplo, garantem que não eram 250 paraguaios em Cerro Corá, mas, pasmem, 400. Antonio da Rocha Almeida afirma que o Paraguai que entrou na guerra vinha dos 'governos nefastos' de Francia e Carlos Antonio Lopes.
Esses governos, segundo outros, foram tão nefastos que transformaram o Paraguai na maior potência sul-americana de então, praticamente sem pobreza e analfabetismo, com forte industrialização e autonomia.
A principal infâmia paraguaia era não se submeter ao domínio inglês. Além disso, os ditadores citados nacionalizaram a Igreja Católica, confiscaram-lhe os bens, fizeram uma reforma agrária, arrendaram campos aos índios, concedendo-lhes implementos agrícolas, e desapropriaram terras cujos títulos de posse os latifundiários não puderam comprovar. O Paraguai de Solano Lopes tinha balança comercial favorável e moeda forte.
O Estado dominava a economia. A Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai, 'libertou' o Paraguai do jugo estatal sob a alegação de que Solano Lopes tinha pretensões imperialistas e queria formar um 'Grande Paraguai'.
Terminada a guerra, cinco anos depois, o Paraguai tornou-se, enfim, liberal e acessível aos interesses ingleses. Nunca mais saiu da pobreza.
Em Cerro Corá, Solano Lopes tinha por palácio uma cabana. Estavam com ele a mãe e a irmã, que ele havia condenado à morte e que deveriam ser executadas no dia em que tudo acabou.
Encontravam-se também Elisa Lynch, a predileta de Lopes, com os filhos Panchito, Enrique, Carlos, Federico e Leopoldo. Panchito, de 16 anos de idade, feito coronel do exército pelo pai, morreu no combate.
Solano Lopes, ainda segundo Antonio Rocha Almeida, negou-se a aceitar a 'generosa intimação do general brasileiro' e foi liquidado gritando 'morro com minha pátria'.
O corpo foi entregue a Elisa. A 'História Regional da Infâmia', por sua vez, é um capítulo da 'história da eternidade'. A nova epígrafe foi escrita pela ONU na semana passada: O Brasil é um país corrupto, violento e racista. Ainda bem que salvamos o Paraguai.
juremir@correiodopovo.com.br
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