domingo, 2 de março de 2008



CARLOS HEITOR CONY

Asfalto selvagem

RIO DE JANEIRO - Um filme de John Houston, creio que dos anos 50, tinha no original o título de "Selva do Asfalto". No Brasil, virou "O Segredo das Jóias" e foi, se não me engano, o primeiro filme em que Marilyn Monroe apareceu nos créditos.

Era um policial. No final, um inspetor mostra o rádio que recebe as mensagens das radiopatrulhas que rondam a cidade.

No painel central, as luzes piscam, as vozes se sucedem, atropelamento na rua 18, homem espanca mulher na 22, um cadáver boiando no rio, briga numa boate de travestis, mulher pedindo socorro na ponte, assalto a mão armada na loja Macy's. E por aí vai.
De repente, o inspetor desliga o painel e as luzes não piscam mais, as vozes emudecem.

O silêncio é total. Ele diz: "Se desligarmos essa joça, resta o silêncio. A selva de asfalto não faz nenhum ruído. Há assassinatos, roubos, estupros, suicidas, a vida humana em seu limite de dor, mas tudo está em silêncio, a selva emudeceu, mas continua viva".

A internet tem alguma coisa a ver com essa imagem de selva emudecida. Nós entramos nela e ficamos sabendo que fulano está traindo sicrano, que Andréia nos manda um beijo e o PT acusa alguém de alguma coisa.

Um sindicato reclama da taxa de água em Florianópolis e uma jovem acusa o patrão de assédio sexual. Antônio quer saber por que não fiz isso ou aquilo, e João me envia o seu exame de sangue, está com Aids.

Desligo o computador. A tela escurece. Não emite nenhum ruído, nenhuma imagem. Mas tudo continua acontecendo, encontros e desencontros, traições e dedicações, deslumbramentos e decepções.

A tela continua apagada, escura, não há notícia da selva misteriosa onde a humanidade, por isso ou aquilo, geme, goza, palpita e sofre, mas tudo parece morto, tudo está parado.

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