domingo, 2 de março de 2008


DANUZA LEÃO

As prioridades

Nós costumamos tratar melhor as pessoas a quem conhecemos pouco, e mais: que nos dão pouca bola

QUAL É A pessoa que você trata melhor neste mundo? Não vale dizer assim, sem nem pensar -"meu pai, minha mãe, meus filhos".
Feche os olhos e faça uma reflexão profunda:

quando você chega em casa e tem um monte de recados na máquina, para quem você liga primeiro? Para sua mãe, que está em ótima saúde, ou para aquela pessoa que ficou de dar a resposta sobre um projeto?

Para seu pai, que joga vôlei todos os dias, ou para aquela mulher maravilhosa, seu sonho de consumo há anos? Bem, respondidas essas perguntas, vamos em frente.

É doloroso, mas é verdade: cada um de nós procura primeiro pelo que mais o está interessando naquele momento, e que pode até ser o pai ou a mãe -mas quase nunca é. A não ser, claro, quando esse pai ou essa mãe ficaram de responder a algum pedido, seja de que tipo for, para o filho querido.

Mas se, no fundo do seu coração, você detectar que o telefonema é só para saber se você melhorou da gripe, pensando bem, dá perfeitamente para fingir que foi do trabalho direto para o cinema e ligar amanhã de manhã, não é mesmo?

E por que será que as mães têm a mania de saber da evolução da gripe de seus filhos?

Com filho é diferente. Não há pai ou mãe -mãe, sobretudo- no mundo que não interrompa a mais importante das reuniões de trabalho para atender a um telefonema do filho, e ainda está para nascer uma que tenha coragem de mandar dizer que naquele momento está ocupada. Aliás, é só saber que é ele que está chamando para dar um aperto no coração; será que está bem?

Será que está precisando de alguma coisa? Será que caiu e quebrou a perna?

Não há uma só que consiga pensar que, se ele está telefonando, tão mal assim não pode estar.

Voltando aos recados: se for aquela pessoa bem famosa, que você conhece mas que não chega a ser um amigo, você liga correndo, não liga? E se for sua antiga babá, que te segurava no colo e contava histórias para você dormir?

Você adora ela, claro, mas depois de um dia tão duro -ah, dá para ligar amanhã, claro que dá. Tem mais: você já reparou como são bem tratadas as pessoas com quem a intimidade é pouca?

É duro de admitir, mas costumamos tratar melhor as pessoas a quem conhecemos pouco, e mais: que nos dão pouca bola.

E isso em todos os níveis, sobretudo quando se trata de amor. Por que a maior parte das pessoas ama tão apaixonadamente quem não aparece, quem trata meio mal, quem não ama direito?

Esses são absolutamente irresistíveis, enquanto daqueles que nos amam de paixão a gente pode até gostar, mas com uma mal disfarçada indiferença. Nada mais desestimulante do que ter certeza; aliás, certeza seja do que for, sobretudo do amor de um homem.

Nada deixa você mais viva, digamos assim, do que estar na corda bamba, sem saber o que vai ser do seu amanhã. Será que ele vem? Essa falta de segurança -exatamente a tal segurança que se busca em todos os momentos- é que move o mundo.

É ela a responsável pelas academias de ginástica, pelos salões de cabeleireiro, pela indústria da moda, e mente quem diz que quer ficar bonita "para ela mesma". Pois sim.

As mulheres fazem tudo para ficarem desejáveis para um homem em particular ou para todos em geral, e se conseguem um dia ter certeza da estabilidade no amor, ai do outro.

Feliz ou infelizmente, as pessoas que mais nos amam são as que tratamos com mais displicência.

Tratamos assim nossos pais, e assim nos tratam nossos filhos, pela certeza desse amor eterno e incondicional. Não é justo que seja assim, mas desde quando a vida é justa?

danuza.leao@uol.com.br

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