sábado, 8 de março de 2008



08 de março de 2008
N° 15534 - Cláudia Laitano


Direito

Se o leitor, como eu, trabalha em um ambiente em que há sempre um aparelho de televisão ligado é possível que tenha interrompido sua rotina por alguns minutos esta semana para acompanhar pela TV Justiça a votação da ação de inconstitucionalidade contra o artigo da Lei de Biossegurança que autoriza as pesquisas com células-tronco embrionárias.

E, se parou diante da televisão, talvez tenha vibrado com o relatório do ministro Carlos Ayres Britto - justificando seu voto favorável à pesquisa com um texto em que Shakespeare, Fernando Pessoa e, por essa ninguém esperava, Tom Zé foram chamados a contribuir na argumentação.

Ficar empolgado diante da TV Justiça já seria um momento histórico, mas a votação desta semana foi memorável porque obrigou o país a pensar não somente a respeito dos imprevisíveis rumos da ciência, mas também sobre algo bem mais concreto e imediato: as leis que queremos obedecer.

O interesse de boa parte da opinião pública por esse debate, de gente como eu e você, que não sabe de genética muito mais do que as regrinhas para saber se os olhos do filho vão ser verdes ou castanhos, talvez não tenha a ver exclusivamente com um apoio genérico a todo tipo de pesquisas científicas que acenem com alguma esperança para quem não tem outra saída a não ser confiar nos avanços da ciência.

Em toda essa discussão, o pano de fundo evidente é a queda de braço velada entre uma visão religiosa e uma política de Estado.

É claro que faz parte da brincadeira democrática que todos tenham direito de dar o seu pitaco diante dos temas de interesse público. Nesse sentido, a Igreja Católica não só pode como deve deixar suas idéias bem claras para seus fiéis e também para quem vai tomar as decisões políticas.

O problema é a sensação de que, no Brasil, as convicções da Igreja Católica sobre determinados assuntos vêm sendo historicamente superdimensionadas. Como cidadã, me incomoda imaginar que uma posição religiosa chegue ao ponto de influenciar temas como a pesquisa científica em um Estado que se diz laico desde a Constituição de 1891.

Minha torcida diante da TV Justiça, portanto, não era apenas pelas pesquisas com as células-troncos embrionárias, mas principalmente pela independência das leis diante do lobby de um dogma religioso.

Como membro da União dos Juristas Católicos, o ministro Menezes Direito, que atrasou a bola para o goleiro pedindo vista da ação, obviamente já tem uma opinião formada sobre a Lei de Biossegurança, em vigor no país há três anos - caso contrário, falha como católico e, infelizmente, também como jurista. Resta saber o que motivou sua atitude, a posição religiosa ou a responsabilidade como ministro da mais alta corte do país.

E para não dizer que não falei em Dia das Mulheres, vai aqui minha homenagem à heroína da semana: a ministra Ellen Gracie, que deu um banho de lucidez no encerramento da votação no STF, abrindo o voto e aproveitando para dar um pito elegante - como só uma mulher poderosa sabe fazer - no colega que provocou a interrupção da votação:

"O motivo que me leva a adiantar o voto é que essa ação entrou no STF em 30 de maio de 2005. São passados três anos.

Tenho certeza de que será trazido dentro em breve pelo senhor (dirigindo-se a Menezes Direito). Sabe-se que as pesquisas em geral, se não ficaram paralisadas, pelo menos sofreram sensível desestímulo nesse período". Nada mal, dona Ellen.

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