sábado, 8 de março de 2008



08 de março de 2008
N° 15534 - A Cena Médica | Moacyr Scliar


Drogas, direção: desastre

Estudante de medicina, eu fazia estágio num ambulatório da previdência social em São Leopoldo. Um dia, prestes a largar o plantão e com uma incômoda dor de cabeça, pedi a um médico que me desse um analgésico, o que ele fez. Era um produto para mim desconhecido, e, por timidez, deixei de perguntar o que era. Simplesmente, tomei o medicamento. Um erro, como logo descobriria.

Um pouco mais tarde, arrumei minhas coisas, entrei no meu carrinho, um velho Fusca caindo aos pedaços, e peguei a estrada. Quase em Porto Alegre, comecei a me sentir estranho.

Não enxergava direito, não tinha controle sobre a direção - um verdadeiro pesadelo, com cuja causa eu não podia atinar e que me deixava em pânico.

De alguma maneira, cheguei em casa, onde desabei na cama e dormi profundamente. Ao acordar, estava bem - mas intrigado com o que acontecera.

A causa do problema certamente estava no medicamento, e mais tarde confirmei-o com o médico: não era só analgésico, a droga continha também um poderoso tranqüilizante, uma dessas combinações que a indústria farmacêutica periodicamente inventa e que são um pesadelo para os médicos e para os pacientes.

Tive muita sorte, mas essa não é a regra geral. Recente estudo feito nos Estados Unidos mostra que, dos motoristas envolvidos em acidentes, cerca de um quinto estava sob a ação de drogas, legais ou ilegais. Na Austrália, a proporção é ainda maior: 26,7% das pessoas que dirigem estavam sob ação de maconha, de opióides (derivados da morfina), tranqüilizantes, estimulantes.

Como se vê por esses estudos, há três situações em que as pessoas utilizam substâncias capazes de prejudicar seu desempenho na direção. A primeira: álcool ou drogas ilegais, como maconha, cocaína, heroína.

A segunda, infelizmente muito freqüente em nosso meio: motoristas que, com prazos a cumprir, tomam os chamados "rebites" ou "arrebites", às vezes oferecidos até em lanchonetes de beira de estrada.

Em geral, trata-se de anfetamina, uma droga que, de fato, tira o sono, mas prejudica a coordenação e a capacidade de julgamento. Mais: quando cessa o efeito, o sono vem súbito e invencível.

Por último, temos pessoas que tomam remédios sem saber que podem prejudicar o desempenho à direção: tranqüilizantes, claro, mas também certos analgésicos, antialérgicos (não esquecendo que estão na fórmula de muitos medicamentos contra gripe e resfriado), xaropes e gotas contra a tosse, remédios contra a depressão e outros, aparentemente inocentes: a cimetidina, usada em problemas digestivos (úlcera), é um deles.

Princípio básico: nunca dirigir sob a ação de substância alguma. Álcool e drogas ilegais nem se fala (e a chamada lei seca merece todo o apoio), mas o "rebite" tem de ser evitado: o motorista não deve dirigir cansado, não deve dirigir mais do que oito horas por dia, deve descansar 15 minutos a cada duas horas ao volante.

É um direito trabalhista e é um direito humano, e os patrões fariam muito bem em apoiá-lo.

Em relação a outros medicamentos, é preciso perguntar ao médico ou ao farmacêutico se causam problemas na direção (ou ler a bula, coisa que, infelizmente, pouca gente faz, em grande parte porque as próprias bulas, redigidas em linguagem difícil e impressas em letra pequena, não ajudam).

Já temos demasiados problemas em nossas estradas. Não precisamos agravá-los com drogas.

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