sábado, 9 de fevereiro de 2008



10 de fevereiro de 2008
N° 15506 - Luis Fernando Verissimo


Histórias do pós-Carnaval

Pedaços de serpentina, um pacote de camisinhas e um guardanapo de papel com o nome Gisele escrito com batom e um número de telefone

A explicação do Heitor foi que o Carnaval mais cedo tinha desregulado seu relógio biológico. A mulher do Heitor já se habituara as suas desculpas (ele uma vez atribuíra a demora em voltar para casa depois do Carnaval a uma tempestade magnética no Sol), mas aquela era nova.

- Relógio biológico, Heitor?

- É. Nós todos temos um relógio biológico dentro de nós. Relógio só, não. Calendário biológico. Bússola biológica. Regulados pelas fases da lua, as datas universais e as oscilações do eixo terrestre. Você não sabia?

- Heitor...

- É um mecanismo muito delicado, que a ciência ainda não entendeu bem. Algumas pessoas, como eu, são mais sensíveis às suas variações. O Carnaval no começo de fevereiro me desorientou por completo.

Esqueci tudo, inclusive o endereço de casa. Eu não sabia mais o que era norte e o que era sul. Quando dei por mim, estava perto da fronteira com a Bolívia. Tive que voltar para casa de carona.

- Mas você não tinha esquecido o endereço?

- A amnésia vai diminuindo à medida em que se volta mais para perto do meridiano de Greenwich.

- E tudo isto que eu encontrei no seu bolso, Heitor?

- O quê?

- Pedaços de serpentina, um pacote de camisinhas e um guardanapo de papel com o nome Gisele escrito com batom e um número de telefone.

- Não sei. - Como, não sabe? - Não sei. É tudo um branco.

- Quer dizer que a sua desorientação foi total. - É. - Só porque o Carnaval foi mais cedo. - É. Não sei. Eu... Mas espera um pouquinho! Este ano não é bissexto?

- É. - Então está tudo explicado!

Estabeleceu-se a discussão. Aquela moça que aparecia na foto do jornal desfilando na avenida só de tapa-sexo era ou não era a dona Ritinha da farmácia? As mulheres não quiseram acreditar.

- Claro que não é ela. Ela não tem esses... essa... Tudo isso.

Alguns homens hesitaram.

- Sei não. Vai ver ela tem e a gente é que não tinha notado.

O Toninho especulou, sob vaias:

- É que ninguém ainda tinha visto ela sem os óculos...

Mas quem acabou com a conversa foi o Marçal. - É ela. A curiosidade foi geral.

- Como é que você sabe, Marça?

- Pela tatuagem na base da espinha.

Depois disso a conversa foi outra. As mulheres mantendo que aquela era apenas outra história do Marçal, que um dia garantira que tivera um caso com a Vera Fischer e sustentava que as grandes mulheres preferem os homens pequenos, os homens pedindo detalhes ao Marçal sobre a tatuagem da dona Ritinha.

E o Marçal, com um certo enfaro, quase polindo as unhas:

- Eu reconheceria aquele escorpiãozinho em qualquer lugar.

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