sexta-feira, 31 de julho de 2020



31 DE JULHO DE 2020
DAVID COIMBRA

As semelhanças entre Dilma e Bolsonaro

Dilma ficou famosa por seus discursos atrapalhados, mas em muitos casos foi injustiçada. Dilma é uma mulher culta e, quando presidente, sabia do que falava. O problema era a forma. Ela não é uma oradora. Não é como Lula, que se criou discursando nas assembleias dos metalúrgicos e dando entrevistas ao vivo para rádio, jornal e TV. Dilma nunca deveria falar em público sem ensaio ou sem texto escrito previamente, com revisão de assessores. O improviso, para ela, foi trágico.

O famoso discurso do estoque de vento, por exemplo. Ela disse algo sensato, naquela oportunidade. Disse que, hoje, a energia mais barata é a hidrelétrica, sobretudo porque, até agora, ninguém inventou tecnologia para estocar vento. Perfeito. Só que, como sua imagem de emissora de bobagens já estava formada, foi fácil para seus detratores separar um pedaço da frase, editar e propalar: "Dilma agora quer estocar vento".

Outra: a célebre saudação à mandioca. A mandioca, ou macaxeira, ou aipim, é, de fato, importantíssima para a sobrevivência dos povos indígenas. A mandioca é a base da alimentação de muitas tribos no interior do país. Mas a presidente anunciar, em um discurso, que vai fazer uma saudação à mandioca é temerário, num país brejeiro como o Brasil. Seria como fazer uma saudação à linguiça, ao pepino, ao salame, à mortadela. Certas imagens precisam ser evitadas, porque ficam ridículas. Ficou ridículo. Não havia nenhum assessor que avisasse Dilma dessa obviedade? "Olha, acho que é melhor a senhora não saudar a mandioca... Vai ficar estranho..." Não entendo como não tinha ninguém para fazer essa advertência básica.

Bolsonaro, que odeia Dilma, padece do mesmo mal que ela. Ele também é mau orador. Dilma gaguejava e acavalava os pensamentos. Bolsonaro tem péssima pronúncia, come sílabas com voracidade e é excessivamente informal em suas manifestações. Mas o pior de Bolsonaro não é a retórica; é o objeto da retórica. Ele se põe a defender bandeiras que, além de serem inúteis, muitas vezes se tornam nocivas para o exercício da presidência. Por que não se concentrar nos problemas graves do Brasil, que são da sua alçada?

Qual é o objetivo, por exemplo, da campanha em favor da cloroquina? Ele não conhece o assunto e suas declarações apenas politizam um tema que deveria ser exclusivamente técnico. O uso de um remédio não é estratégico no combate à peste; é tático. É o médico, ao pé do leito do paciente, que decidirá se usará ou não a cloroquina, e ninguém mais.

Dias atrás, porém, Bolsonaro falou algo correto a respeito, e foi ridicularizado. Ele disse que a ciência não tem provas de que a cloroquina funciona contra a covid, nem que não funciona. E é verdade. As pesquisas que foram divulgadas recentemente, provando que a cloroquina não funciona para doentes internados em hospital, mostram exatamente isso: ela não funciona EM DOENTES INTERNADOS EM HOSPITAL. Ou seja: para quem já está em estado grave. Bolsonaro queria dizer que há médicos que receitam a cloroquina logo aos primeiros sinais da doença, quando ainda nem se tem certeza se há mesmo infecção pelo coronavírus, e que ninguém sabe se, nesses casos, ela é efetiva ou não.

Isso é fato. Ninguém conhece ainda o efeito da cloroquina ou de outros remédios em casos iniciais da covid-19. Porque ainda não há pesquisas a propósito. Logo, Bolsonaro não errou no seu argumento sobre o tema. O erro é ele argumentar sobre o tema. Por que defender um remédio, se nem médico ele é? Essa insistência confunde inclusive pesquisas que possam identificar méritos do remédio em alguma fase do tratamento.

Dilma errava na forma. Bolsonaro erra no conteúdo. Errados, ambos. Mas quem mais paga por esses erros é você.

DAVID COIMBRA

31 DE JULHO DE 2020

ARTIGOS

Novos espartanos


É cediço que os direitos sociais previstos na Constituição Federal são alegóricos. Escola, lar, família são artigos de luxo. No Brasil, algumas crianças com idade entre sete e 12 anos possuem armamento de dar inveja em muitos policiais. Tais crianças são fruto de seu meio, como todos nós.

Assim como em Esparta, a alfabetização não é o essencial, tornando a estagnação intelectual inevitável. Assim como em Esparta, a criança cresce aceitando que tirar a vida de outra pessoa é permitido pelas regras do jogo. É uma falsa sensação de empoderamento manusear armas. Os jovens buscam ascensão social em seu mundo apartado. Muitos morrem precocemente, sem jamais ter o que sonharam.

Entretanto, definir o fracasso dessas crianças como falta de força de vontade é reforçar a crueldade sobre elas. Mas deixá-las cometer atos equiparados a infrações penais é reforçar a crueldade sobre todos os outros. As crianças entram para o tráfico visando à inserção numa sociedade de consumo, para comprar bens materiais e até para conquistar as moças mais bonitas de sua comunidade. Contudo, não é razoável que esse problema transcenda o universo das primeiras vítimas para fazer mais vítimas.

Enquanto o problema não é tratado na gênese, certas categorias são instadas a contornar o problema. Falo das polícias. Isto porque qualquer passado, por pior que seja, não retira a tipificação penal da ação. O direito penal não é do indivíduo, é sobre a análise dos fatos. Há poucos anos, o Datafolha realizou uma pesquisa em que 87% dos entrevistados afirmaram ser a favor da redução da maioridade penal. Entretanto, a vontade do povo, que compõe o significado de democracia, não é observada.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é talvez o instrumento legislativo mais falho na seara penal. Prevê punição máxima de três anos de internação para os infratores, não importando a hediondez do crime. Seriam tais infratores dotados de incapacidade de compreender seus atos? São jovens com esse perfil que o código penal visou proteger? Para onde essa superproteção nos trouxe ou, ainda, para onde nos levará?

ANA LUIZA CARUSO, DELEGADA, 2ª VICE-PRESIDENTE ADMINISTRATIVA DA ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO RS (ASDEP/RS)

31 DE JULHO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

Exemplo a ser seguido

Se a chegada da pandemia trouxe dificuldades adicionais para a prestação de uma série de serviços públicos, ao menos para o Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBM-RS) foi a oportunidade para acelerar um trabalho que, há não muito tempo, era motivo de queixas recorrentes de empreendedores no Estado. Reportagem publicada na edição de quarta-feira de Zero Hora mostrou que, no primeiro semestre, o tempo médio de análise e vistorias dos Planos de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) caiu 37,5%. A maior agilidade, digna de reconhecimento, é fruto de um entendimento correto do comando da corporação de que o ritmo menor de entrada de novos processos, também devido à emergência sanitária, era a oportunidade ideal para acelerar as avaliações dos PPCIs que já tramitavam.

A iniciativa dos bombeiros é um exemplo para os demais órgãos do serviço público. Os obstáculos impostos pela pandemia não devem servir de justificativa para mais morosidade e rendição à burocracia. Pelo contrário, abrem a oportunidade para que se faça deslancharem certos tipos de demanda antes represados, como os PPCIs. Os planos de prevenção de incêndio se tornaram motivo de grande preocupação após as falhas que levaram à tragédia da boate Kiss, em 2013, em Santa Maria, mas a atenção maior com a segurança não deve ser sinônimo de tramitação mais lenta de processos e demora em vistorias.

Menos pressionado em outras frentes, como as atividades de segurança contra incêndio, o Corpo de Bombeiros soube se planejar para montar um mutirão para reduzir o estoque de pedidos de análise, possibilitando inclusive dar mais velocidade para os novos, quando recomeçaram a ingressar. A celeridade mostrou inclusive reflexos positivos quando chegou a hora de se debruçar em projetos ligados ao atendimento a pacientes com a covid-19, como a construção do anexo ao Hospital Independência, na Capital, obra que por sua finalidade teria de contar com a presteza que de fato houve.

O novo ritmo, elogiado por empreendedores da construção civil, será desafiado quando a economia retornar a um patamar mais próximo do período pré-pandemia. Um grande número de projetos imobiliários, engavetados pelas incertezas causadas pelo coronavírus, pode voltar a bater à porta da corporação. Espera-se que os bombeiros encontrem meios para continuar merecendo elogios nessa seara e deixem de vez no passado o gargalo que era motivo de reiteradas reclamações pela absoluta insegurança quanto aos prazos. Uma esperança é a de uso maior da tecnologia. O aceno é de que o processo de licenciamento, excluindo-se as vistorias, por óbvio, passe a ser 100% virtual a partir de setembro, índice que hoje estaria entre 60% e 70%. Será um empecilho a menos na jornada para facilitar negócios em um dos setores mais importantes da economia e grande gerador de empregos.

31 DE JULHO DE 2020
O PRAZER DAS PALAVRAS

Facebookês


A pergunta de hoje veio de Leonor W., de São Leopoldo: "Caríssimo professor Moreno, fui sua colega há muito tempo na antiga Aliança Francesa, na turma de Monsieur Verbist. Eu pretendia fazer Letras e ser professora, como o senhor, mas casei, passei trinta anos no exterior e agora me contento em passar exercícios de caligrafia e ler em voz alta para os netos. Por causa deles tive de me "alfabetizar" nessas redes sociais modernas e hoje já me movo nelas sem fazer fiasco. E é por isso que lhe escrevo: nunca vi tantas palavras mal escritas! Ninguém conjuga verbo direito, nem acentua corretamente! Ontem uma neta completou quinze anos e recebeu parabéns de mais de oitenta amigos pelo Facebook. Meu deus, nunca vi tanto erro junto. O que está acontecendo? Foi a internet?".

Sim, a internet é uma das grandes responsáveis por isso - mas não exatamente como você deve imaginar. O que está acontecendo, prezada leitora, é que nunca dantes, como agora, podemos ler o que centenas de pessoas andam escrevendo - e das mais variadas faixas etárias e sociais. Há quarenta anos, o material escrito à nossa disposição era muito mais limitado: além dos livros, eu lia jornais, revistas e a eventual correspondência - mas não tinha a menor ideia de como escreviam os meus vizinhos de prédio, os membros do meu clube de bolão ou, como é seu caso, as amigas de minha filha de quinze anos.

Agora, no aniversário de sua neta, você só ficou assustada com o número de erros que encontrou porque, graças ao Facebook, você teve diante dos olhos, pela primeira vez, os comentários de oitenta e poucas pessoas diferentes. Oitenta amostras de escrita, e isso num post apenas! Há quarenta anos, ela teria recebido uma meia dúzia de telegramas, alguns cartõezinhos de floricultura e um grande número de telefonemas, mas hoje a comunicação pela internet nos força a escrever - e escrever, para o desespero de muitos, traz à tona os erros que escondíamos.

Exatamente por isso as redes têm um valor inestimável para o bom professor de Português. Ali, em poucas horas (e não é necessário uma grande pesquisa para isso), podemos detectar os erros mais frequentes de uma geração e fulminá-los com bons exemplos e claras explicações, fazendo-os secar como vampiros expostos à luz do Sol.

A maior parte desses erros nasce exatamente da passagem do sistema oral para o sistema escrito. Nas situações em que não pode contar apenas com a fala, o jovem de hoje tropeça quando precisa escrever (não preciso dizer que a falha é de um sistema de ensino que demagogicamente tenta desmerecer a norma escrita).

Prisioneiros do ouvido, escrevem *toquinha quando queriam escrever touquinha (diminutivo de touca, que não é a toca), escrevem *loca quando deveriam escrever louca. Cegos para as formas definitivas de nossos sufixos, ignoram que não existe o sufixo -asso e escrevem *beijasso e *carteirasso quando queriam escrever beijaço e carteiraço.

Mais grave ainda - porque é sistêmico - eles deixam de escrever o R final dos infinitivos. A supressão desse fonema é normal quando falamos; cantar ou vender soa, geralmente, /cantá/ e /vendê/, e só na fala tensa (isto é, cuidada, consciente) fazemos soar aquele R. Na escrita, é óbvio que sua presença é obrigatória. O problema se manifesta principalmente nas locuções verbais com o verbo no infinitivo: por toda parte, nas redes, encontro eu vou *vende, eu quero *compra, você vai *usa (asterisco indica erro). Nem ao menos põem um acento, como se fosse a tradicional transcrição do dialeto caipira ("Lá detrás daquele morro tem um pé de manacá/ Nós vamo casá e vamo pra lá").

Outra catástrofe é a frequente confusão entre a 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito (eles cantaram) e a do futuro (eles cantarão). Parece que não há nenhuma alma corajosa para explicar a seus alunos que a sílaba final só vai ser -RÃO se esta for a sílaba tônica (cantaRÃO, pediRÃO), mas obrigatoriamente -RAM se a tônica for outra (canTAram, peDIram). Detalhe supérfluo? Gramatiquice? Claro que não. Essas diferenças não surgiram por acaso no idioma; elas existem para eliminar erros de interpretação na comunicação entre todos os falantes. Para os que não frequentam as redes sociais, trago o famoso exemplo de um diálogo no Whatsapp entre namorados: Ela: "Meus pais sairão". Ele: "Que horas?". Ela: "Eles JÁ sairão, *orra! É só você vir". Ele: "Não estou entendendo, eles estão aí ou não?". Ela: "Deixa de bancar o idiota! Eles já forão!".

CLÁUDIO MORENO

31 DE JULHO DE 2020
EDUARDO BUENO

O guará, a ema e o vira-lata


Se a reencarnação de seres humanos está longe de ser consenso entre as religiões (embora tanto as mais evoluídas - o budismo e o hinduísmo - quanto as mais "primitivas" - xintoísmo e xamanismo - não tenham sombra de dúvida sobre o fenômeno), imagine só as discussões relativas à reencarnação dos animais. E a dos vegetais, então? Para onde vai o espírito das árvores quando mortas? Voltam para se vingar de Ricardo Salles ou jazem nas cinzas amazônicas pela eternidade e mais um dia? Não há consenso entre os espiritualistas.

Não quero meter minha colher torta nesse caldeirão de cruz-credos. Cada um com o seu cada qual. Mas não tenho culpa se lembro como se fosse anteontem de minha existência como araucária. Um lenho rijo, ereto e inabalável nos contrafortes batidos pelos ventos nos Andes. Uma vida longeva e fecunda, entre guerreiros mapuches e araucanos, ao trinar das gralhas-azuis. Os incréus zombam de mim; já os mestres julgam que, uma vez árvore, ninguém seria rebaixado de novo à condição humana. Vai saber.

Lembro um pouco menos de minha vida como lobo-guará, exceto pelo fato de que nesta finquei menos raízes do que naquela. Creio que havia mais humanos por perto, o que nunca é bom. Foi uma existência fugidia, reticente, crepuscular, quase escusa, vivida do lusco-fusco à aurora. Mas são esses os hábitos da espécie: um lobo solitário, frugívero, fiel quando acasalado, perambulando pelo cerrado, pelas serras, pelos cerros, uivando para a Lua, roçando-se na casca enrugada dos troncos retorcidos, negras estrelas luzindo nas pupilas dilatadas. Auuuuuuu!

Toda essa conversa meio mole meio dura não é só porque o mais nefasto dos ministros do meio ambiente aproveitou-se da pandemia para passar a "boiada" de sua devastação - afetando araucárias e guarás -, enquanto o governo dele oferecia cloroquina para as emas. A relembrança lupina se me ocorreu porque, em meio à economia que se desfaz e à pandemia que se retroalimenta com os negativistas, o desgoverno de plantão anunciou que vai lançar uma nova cédula. E que a nota de R$ 200 trará a estampa... do lobo-guará.

Mas meus devaneios não rebrotaram por causa da suposta homenagem ao "lobo-de-juba". E sim pela frase que ouvi o xamã ianomâmi Davi Kopenawa trovejar com voz mansa: "Brancos derrubam árvores para fazer dinheiro e depois o ilustram com a imagem dos bichos que ficaram sem casa". Por isso, junto-me aos que querem que a nova nota de 200 estampe o vira-lata caramelo. Ou a naja que apareceu em Brasília. Ou a ema que bicou o inquilino do Planalto. Até porque um lobo no galinheiro do mercado financeiro periga fazer um estrago.

EDUARDO BUENO

31 DE JULHO DE 2020
INFORME ESPECIAL

O órgão humano que definirá o futuro de Marchezan


Se a frase tivesse sido dita por um simpatizante da esquerda, não causaria surpresa: "Prefiro mil vezes a Manuela". Mas o autor é um morador de Porto Alegre identificado com o liberalismo e com a direita. Mais do que falar sobre uma improvável preferência pela ex-candidata a vice-presidente na chapa encabeçada pelo PT, a afirmação é um retrato da revolta de boa parte do segmento empresarial da Capital com a gestão de Nelson Marchezan e, de quebra, com o modelo de bandeiras estabelecido pelo governador Eduardo Leite, também do PSDB.

Há uma inconformidade pelo fechamento do comércio e pelo que alguns consideram autoritarismo e falta de diálogo. A prefeitura se defende, alegando que as restrições à circulação não foram inventadas aqui e que vai continuar ouvindo o que diz a ciência para tentar evitar o colapso do sistema de saúde. Há também inaugurações de obras pela frente e a confiança de que, se não houver caos nas UTIs, o reconhecimento virá ali adiante.

Basta uma olhada rápida em mensagens trocadas nos grupos de WhatsApp de setores empresariais para compreender a dimensão desse fenômeno. A raiva e a inconformidade vêm crescendo. A campanha eleitoral ainda engatinha, mas já é nítido que ela será pautada, em grande parte, pelo irracional. No Brasil, a escolha dos representantes políticos sempre foi muito inspirada pela emoção, o que tende a se acentuar agora, com novos ingredientes gerados pela pandemia.

Quando se elegeu, Marchezan contou com o apoio de boa parte dos empresários da Capital. Embora ainda tenha importantes aliados entre eles, essa base foi sendo corroída e enfrenta agora seu maior desgaste. Como sempre acontece nesses casos, o tempo dirá se esses sentimentos são apenas reações a um momento difícil - não apenas na capital gaúcha, mas em todo o planeta. O fato é que o nível de tensão em Porto Alegre é bem superior ao de outras capitais. Não só entre os empresários, mas entre a população em geral, cansada de ficar em casa e amassada pela ameaça de desemprego. A quatro meses da eleição, já é possível afirmar que, se antes o voto era inspirado pelo coração ou pela razão, agora será também - e principalmente - por um outro órgão: o fígado.

Nas ruas

Compilados e analisados todos os dados sobre a emissão de carteiras de habilitação no país entre 2013 e 2019, a Ipsos revelou a relação percentual entre homens e mulheres motoristas no RS:

Olhando para o Brasil, o estudo concluiu que, diferentemente do que aconteceu entre os mais jovens, houve aumento de habilitados nos grupos 60+:

Idades entre 61 e 70: 1,9%

Idades entre 71 e 80 anos: 1,2%

As possíveis razões para esta mudança, segundo a Ipsos, são a maior longevidade e a melhor qualidade de vida entre os brasileiros mais maduros.

Entregue ao TCE recurso sobre concessão do Mercado Público


A prefeitura da Capital encaminhou ontem ao Tribunal de Contas do Estado o pedido de reconsideração da decisão que suspendeu a abertura dos envelopes com as propostas para a concessão do Mercado Público, prevista para hoje. Para o conselheiro Cézar Miola, o processo precisaria de autorização da Câmara Municipal, entendimento sustentado desde fevereiro de 2020 e com o qual a prefeitura não concorda. 

O prazo para a análise do recurso de 23 páginas é de, no máximo, 60 dias. Mas o conselheiro Miola é reconhecido pela celeridade e consistência das sua manifestações. A pendência não impede que as propostas dos grupos interessados em assumir a gestão do Mercado Público sejam entregues hoje. Apenas não poderão ser abertas.

TULIO MILMAN

quinta-feira, 30 de julho de 2020


30 DE JULHO DE 2020
DAVID COIMBRA

O lance mais horrível do ano


Há, no cinema, uma categoria de filmes tão ruins, mas tão ruins, que se tornam clássicos. O cinema se presta para isso, porque é uma experiência breve, de duas horas de duração. Um livro, por exemplo, não se torna "cult" por ser horrível, porque o leitor não vai adiante, larga já nas primeiras páginas. Ele não vai passar dias se aborrecendo.

O maior dos clássicos horrendos do cinema é Barbarella. O mestre Roger Vadim, homem que se consagrou por suas mulheres, é o diretor. Se você acha que exagero ao ressaltar as mulheres de Vadim, informo que duas delas foram Brigitte Bardot e Catherine Deneuve. A outra foi Jane Fonda, que era a protagonista de Barbarella.

Vadim explora a beleza perturbadora de Jane no filme. O filme é a beleza explosiva de Jane em sua juventude, e nada mais. É uma trama risível, típica dos anos 1960, mas que acaba sendo uma boa diversão. Tornou-se tão singular, Barbarella, que o vilão da história, Durand Durand, virou nome de banda de rock na Inglaterra. E a mocinha virou nome de padaria em Porto Alegre.

Foi em Barbarella que pensei, no fim do jogo do Grêmio contra o Novo Hamburgo, nesta quarta-feira. O jogo foi ruim, disputado sem torcida, num campo precário, numa tarde de meio de semana. Um jogo para esquecer, não fosse um lance imortal.

O autor foi o centroavante Luciano. Ele já vinha jogando mal, mas, no fim do segundo tempo, se consagrou: Pepê ganhou dos zagueiros em velocidade, zuniu pelo lado esquerdo da área em direção à linha de fundo, mas, antes de chegar lá, girou o corpo e passou para trás. A bola veio mansa como um gato castrado, oferecendo-se para Luciano. Não havia mais goleiro, não havia mais zagueiro, era o atacante e o gol, o gol e o atacante. Luciano podia ter dominado a bola antes de chutar, podia ter avançado com ela, podia ter chutado forte, mas optou por bater colocado, de primeira. A bola saiu molenga, à meia altura, quicou no gramado crespo e saiu a uns três metros da trave.

Foi feio. O mais horripilante lance do futebol deste ano horripilante. E, por isso, um lance eterno. Será para sempre lembrado que esse foi, de fato, um lance digno dos tempos da peste.

Viva a vacina russa

Não me surpreenderei se os russos desenvolverem antes de toda a humanidade uma vacina contra a covid-19. Trata-se de um povo disciplinado, que já sofreu muito e que já fez muitas coisas portentosas.

A dimensão dessa grandiosidade me atingiu em cheio assim que entrei em uma estação de metrô de Moscou, na Copa de 2018. Aquelas estações subterrâneas foram construídas pelo regime comunista para serem os "palácios do povo", e são mesmo. A suntuosidade das mansões dos nababos do czarismo é reproduzida justamente no lugar onde mais circulam trabalhadores.

É uma obra de originalidade e cheia de significados. Você desembarca de um vagão, pisa na plataforma e fica embasbacado. É como se estivesse num salão do Hermitage, de São Petersburgo, só que dezenas de metros abaixo da superfície, em meio ao vulgo.

A literatura russa, de certa forma, é como uma dessas estações: ao mesmo tempo grandiosa e profunda, nobre e popular. O caráter da literatura demonstra o caráter de um povo. Você encontra, na literatura russa, contistas lapidares, como Gogol, mas sua força está na densidade de seus romancistas e, nesta categoria, talvez Dostoievski seja o maior do planeta Terra de todos os tempos, desde o Big Bang até a rodada vespertina do Gauchão, ontem. Dostoievski, Gogol, Tolstói, Tchekov, todos eles são escritores de substância encorpada, são escritores de inverno.

Já os grandes brasileiros são os escritores solares. O maior romancista do Brasil, Machado de Assis, brinca com o leitor e com os seus personagens. É um pândego, o Bruxo do Cosme Velho. Agora, o estilo brasileiro por excelência é a crônica. Não fomos nós que a inventamos, foi o francês Montaigne, mas, como aconteceu com o futebol, criado pelos britânicos, nós a sublimamos. O Brasil é o país do futebol, do Carnaval e da crônica. E o nosso Pelé é Rubem Braga. Digo sempre, e sempre direi, que Rubem Braga é o maior escritor do Brasil, além de ser o mais subestimado, porque só escrevia crônicas.

Se você beber das crônicas do Velho Braga, compreenderá o Brasil, um país que consegue ser jovial e triste, delicado e mundano, um país em que tudo é breve como a leitura de jornal.

Nós amamos a brevidade e a leveza, e por isso mesmo temos dificuldades em alcançar façanhas coletivas, como mandar Sputnik para o espaço, vencer a Batalha de Stalingrado, cavar estações de metrô que se assemelham a museus ou desenvolver vacinas redentoras. Os russos, unidos, fazem essas coisas. Há quem duvide que os russos estejam mesmo com a vacina tão adiantada, pronta para ser distribuída em dias ou semanas. Eu acredito neles. Em agosto, teremos a vacina. Salve os russos, nossos salvadores!

DAVID COIMBRA



30 DE JULHO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

A APOSTA CERTA

Esteio da economia do Rio Grande do Sul e do Brasil, a agropecuária continuará, nos próximos anos, ajudando a alimentar o mundo e contribuindo de forma expressiva para o desenvolvimento do país. Pesquisa do Ministério da Agricultura publicada na edição de ontem de Zero Hora, pela colunista Gisele Loeblein, projeta no ciclo 2029/2030 uma produção nacional de grãos 27% maior do que a colhida neste ano, enquanto nas carnes o acréscimo de volume será de 23,8%. O trabalho traz ainda a relevante informação de que grande parte desse avanço robusto ocorrerá por ganho de produtividade. É um sinal positivo por mostrar que o Brasil tem amplas condições de, com incorporação cada vez maior de tecnologia, conciliar preservação com a manutenção do ritmo de crescimento do setor.

O campo e suas cadeias, incluindo indústria, comércio e serviços, foram o grande amortecedor da recessão brasileira de 2015 e 2016 e, ano a ano, provam a sua importância, garantindo saldos positivos para o país no balanço das importações e exportações. A chegada da pandemia do novo coronavírus representou um golpe para a maior parte dos segmentos econômicos, mas o agronegócio passa pelo período mais crítico de forma quase incólume, demonstrando que a decisão de desenvolver essa atividade, verdadeira vocação nacional, foi a aposta mais acertada da história recente brasileira. Com clima, solo, gente apta, abertura à inovação e ciência, o resultado não poderia ser outro: o agronegócio brasileiro é um dos mais competitivos do mundo, se não for o líder deste ranking, a despeito de gargalos como uma péssima logística e carga tributária muito acima dos concorrentes do Mercosul, por exemplo.

A despeito da seca inclemente que castigou o Estado no último verão e levou a perdas significativas nas lavouras, a agropecuária foi o setor com o melhor desempenho no mercado de trabalho no primeiro semestre, praticamente com estabilidade no saldo de vagas com carteira assinada. A falta pontual de chuva na safra 2019/-2020, entretanto, em nada compromete a tendência de continuidade de crescimento da atividade nos próximos anos no Rio Grande do Sul, um dos líderes nacionais na produção de grãos e carnes, reunindo condições para alavancar rapidamente os negócios que precedem e sucedem a lida dentro das propriedades rurais.

O status atual alcançado pelo Rio Grande do Sul e pelo Brasil não veio por acaso. É fruto de muito trabalho, desenvolvimento e uso de novas tecnologias, sobretudo nos últimos 20 anos. Tem papel crucial nesse ciclo virtuoso a ciência voltada para o campo, com destaque para a Embrapa, uma das raras estatais que justificam a sua existência, que merece apoio pelos resultados que gera, materializados em maior produtividade em culturas e criações Brasil afora.

Toda essa relevância e os resultados excepcionais, no entanto, não significam a inexistência de pontos de preocupação. Essas inquietações passam por questões antigas, como crédito, mas também por desafios que se tornaram mais prementes, como a necessidade de evitar o contágio do agronegócio brasileiro pela inépcia e irresponsabilidade com que o governo federal tratou até agora a questão sensível do ambiente. É verdade que, nos últimos meses, há sinais em Brasília de certa mudança de rumo para se redimir dos muitos equívocos, mas ainda há um longo caminho pela frente e, mais do que palavras, investidores e clientes internacionais querem ver resultados, como a diminuição do desmatamento da Amazônia.

Só assim os homens e mulheres do campo que afiançam um futuro promissor para o Brasil não correrão o risco de verem seus esforços ameaçados e penalizados por ações e omissões de autoridades da República que, até agora, emitiram apenas sinais e mensagens incompatíveis com a nova ordem mundial, em que a sustentabilidade será uma das grandes premissas do desenvolvimento e do fluxo de capitais.

30 DE JULHO DE 2020
PERIMETRAL PAULO GERMANO

O fator Voluntários


A Rua Voluntários da Pátria, no trecho entre a Praça XV e a Pinto Bandeira, não cansa de chocar as autoridades pela quantidade de gente que ainda recebe.

- É inacreditável. Do gabinete do prefeito a gente enxerga aquele formigueiro humano - diz um membro do governo Marchezan.

A prefeitura estuda a instalação de barreiras na via para reduzir a circulação a pé. Faz duas semanas que a medida está em análise - mas, como a ocupação das UTIs dá sinais de desaceleração, o governo ainda aguarda alguns dias antes de adotar novas restrições.

Se optar pelos bloqueios, não serão muros nem placas de metal. A ideia é instalar duas "barreiras sanitárias", uma em cada ponta do trecho movimentado. Serão tendas com fiscais medindo a temperatura dos pedestres, perguntando aonde eles vão, por que estão na rua etc.

Ou seja: uma espécie de pesquisa que, além de abastecer o governo com informações sobre o comportamento das pessoas, teria a função de inibi-las. Boa parte delas, na avaliação da prefeitura, é formada por frequentadores do comércio local - que deveria estar fechado, mas funciona a meia porta. Ao ser questionado por um fiscal, portanto, o pedestre teria de inventar alguma desculpa.

Outras ruas também podem receber as barreiras da prefeitura, mas nenhuma chama mais a atenção do que a Voluntários da Pátria.

PAULO GERMANO

30 DE JULHO DE 2020
RBS BRASÍLIA

Aras provoca constrangimento


Chega a ser constrangedora a ginástica que os parlamentares bolsonaristas estão fazendo para justificar as declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre o destino da Lava-Jato. Defensores ferrenhos das operações de combate à corrupção, tanto a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) quanto o deputado Bibo Nunes (PSL-RS) apresentaram interpretações para as declarações do PGR a um grupo de advogados. Mesmo defendendo o combate à corrupção, Aras disse que é hora de corrigir rumos para que o lavajatismo não perdure. 

Em audiência com senadores, afirmou que uma república não combina com heróis e que a distribuição dos processos na Lava-Jato é passível de fraude. Para explicar a posição do PGR, Zambelli afirmou que Aras quer "destucanar" a Lava-Jato, insinuando que as operações, que tiveram como foco o PT, protegem algum outro partido. 

Com isso, Zambelli reforça as desconfianças de petistas, que sempre reclamaram de perseguição por parte da turma de Deltan Dallagnol e do então juiz Sergio Moro. Bibo preferiu lamentar as declarações de Aras e disse que talvez ele tenha tentado ser simpático com os advogados. Além dessa saia-justa, Aras ainda ampliou o mal-estar entre os próprios procuradores. O Ministério Público Federal nunca esteve tão rachado.

Bolsonaro em Bagé

Para evitar aglomerações, o prefeito de Bagé, Divaldo Lara (PTB), vai restringir o acesso de autoridades à cerimônia de inauguração de conjunto habitacional com a presença do presidente Jair Bolsonaro, amanhã. Apenas terá acesso à área pessoas previamente cadastradas. Lara informou também que todos deverão usar máscara e terão suas temperaturas medidas na entrada do evento. O primeiro compromisso de Bolsonaro em Bage será às 11h15min, na Escola Municipal Cívico Militar de Ensino Fundamental São Pedro, e o último será às 15h, com a entrega das moradias populares.

Desrespeito

A falta de gestão no INSS está gerando um exército de mulheres que aguardam pela liberação do salário-maternidade. Com o atendimento presencial suspenso nas agências, em razão da pandemia, os documentos devem ser encaminhados via online. A burocracia e a dificuldade de acesso à internet estão prejudicando essas trabalhadoras, alertam servidores da Previdência.

CAROLINA BAHIA

30 DE JULHO DE 2020
INOVAÇÃO

Fabricante apresenta sistema para proteção de passageiros

A fabricante de ônibus Marcopolo e a Unesul realizaram ontem demonstração de sistemas e protocolos de segurança contra a transmissão de coronavírus no transporte de passageiros, em ação na rodoviária de Porto Alegre. No evento, transmitido ao vivo nas redes sociais, procedimentos de higienização manual do interior do coletivo, sanitização dos boxes e a utilização do sistema de desinfecção por névoa seca, chamado de fog in place (FIP), foram realizados.

O FIP faz parte da plataforma Marcopolo BioSafe, lançada em junho e que prevê série de inovações para proteger profissionais do transporte e passageiros em meio à pandemia. O conjunto de ações contou com a participação da Imunizadora Hoffmann.

- A gente tem feito ações nos terminais. Temos um trabalho feito com os operadores. Eles já conhecem essa tecnologia, mas agora a gente começa a se aproximar mais dos passageiros e dos próprios terminais para fazer com que as pessoas percebam que já existem condições de retomada da mobilidade com mais segurança - afirma o head de inovação da Marcopolo e diretor da Marcopolo Next, divisão de inovação da companhia, Petras Amaral.

No sistema FIP, uma névoa de solução biocida é dissipada no interior do ônibus. Como não se encontra em estado líquido durante a aplicação, o produto não deixa bancos e demais objetos do coletivo úmidos, mesmo atingindo 100% das superfícies do local.

A Unesul demonstrou como é feita a higienização interna dos veículos, com funcionária aplicando produtos de sanitização nos objetos de uso comum. Esse procedimento é realizado nos intervalos entre as viagens.

A plataforma da Marcopolo também conta com o Safe Check- in, aparelho que mede a temperatura, confirma o uso de máscara e faz a leitura da passagem para dar acesso aos veículos, cortinas de proteção antimicrobiana e uso de raios ultravioleta UV-C no ar- condicionado e nos sanitários.

ANDERSON AIRES

30 DE JULHO DE 2020
INFORME ESPECIAL

Por que Bolsonaro parou de brigar



Entre os motivos para que Jair Bolsonaro parasse de falar tanto e de provocar tantas brigas, está um recado claro, passado ao presidente: o Exército não apoiaria qualquer movimento antidemocrático em caso de ruptura institucional.

O presidente também tomou ciência do desconforto de importantes segmentos das Forças Armadas com a escalada de tensões entre poderes. Bolsonaro parece ter compreendido que, se não mudasse, teria imensas dificuldades para terminar seu mandato, pelos atritos com o Congresso e com o Supremo Tribunal Federal.

As Forças Armadas brasileiras têm se mantido fiéis ao seu papel constitucional desde a redemocratização, na década de 80 do século passado. Existem, dentro delas, diferentes correntes de opinião. Mas não interessa a uma fatia considerável e majoritária dos oficiais da ativa misturar Exército, Marinha e Aeronáutica com o varejo de um governo, seja ele qual for. Há o entendimento de que a instituição sofre até hoje com os erros cometidos quando estava no poder e de que seria um risco muito grande se aventurar novamente por esses caminhos.

Também não é visto com bons olhos a participação de militares da ativa em cargos de primeiro escalão, o que ainda é permitido sob licença especial. Melhor, para as Forças Armadas e para o Brasil, que ocupantes de cargos civis com dimensão política ou partidária sejam antes transferidos para a reserva.

O aviso claro dado a Bolsonaro, confirmado por fontes com trânsito e influência em Brasília, não foi o primeiro. Mas, dessa vez, o portador da mensagem não dava margem a teorias conspiratórias. O presidente Jair Bolsonaro parece ter optado pelo caminho possível, sob pena de se meter em um beco sem saída.

Captura de tela

Educar um filho hoje é mais difícil do que era há 20 anos. E a tecnologia é a maior responsável. Esta é uma das conclusões do estudo sobre famílias na era das telas, publicado pelo Pew Research Center. Foram ouvidos 3,6 mil pais e mães nos Estados Unidos. Abaixo, alguns dos resultados:

66% acreditam que educar filhos hoje é mais difícil do que era há 20 anos.

26% opinam que não houve grandes mudanças.

7% disseram que é mais fácil.

Os motivos mais citados por aqueles que consideram que hoje é mais difícil educar os filhos:

1. Desafios impostos pela tecnologia em geral.

2. Desafios impostos pelas redes sociais em geral.

3. O mundo está mais violento e há mudanças nos padrões morais.

4. Acesso à tecnologia por crianças pequenas.

5. Criar filhos hoje é mais caro. Tanto o pai quanto a mãe precisam trabalhar.

71% dos entrevistados se disseram preocupados com o tempo que os filhos passam em frente às telas.

68% dos pais e das mães admitiram que, quando estão com os filhos, se distraem com seus próprios celulares.

TULIO MILMAN

quarta-feira, 29 de julho de 2020



29 DE JULHO DE 2020
DAVID COIMBRA

O gaúcho desanimou

"De que adianta?", ouço as pessoas perguntando. É a frase mais repetida pelas ruas da cidade.

"De que adianta?" Os gaúchos desanimaram no combate ao coronavírus. Não acreditam mais que as medidas de cautela que venham a tomar possam evitar a doença. "Nós já fizemos tudo que disseram para fazer", suspiram. "E, em vez de melhorar, piorou".

O desalento era previsível. Em 2 de julho, o governador fez um discurso emocionado, conclamando a população para mais duas semanas de sacrifício. Segundo ele, seriam as semanas decisivas na luta contra a covid-19. Naquele mesmo dia, publiquei uma coluna analisando o discurso e o classifiquei de "perigoso". Pela seguinte razão: o período crítico da doença vinha sendo adiado desde abril. Eram 15 dias de esforço, depois mais 15, depois mais 15. Escrevi:

"Essa é a aflição de Eduardo Leite. Se daqui a 15 dias ele não puder dizer que a maior ameaça foi debelada, não haverá discurso, por mais bem amanhado que seja, capaz de convencer as pessoas de que elas terão de suportar outros 15 dias de sacrifícios".

Hoje, muita gente festeja os governantes, ao mesmo tempo em que culpa a sociedade pelo aumento de casos e de mortos. Os gaúchos não teriam disciplina, não teriam prestado obediência a seus guias iluminados, por essa razão a epidemia recrudesceu. É mais do que uma injustiça: é uma crueldade.

Em primeiro lugar, porque o comportamento da doença é geográfico: ela migrou para os Estados do Sul e para outros em que havia poucos casos, como Minas Gerais e Mato Grosso. Isso não aconteceu por mau comportamento dessas populações. Aconteceu porque havia espaço para o vírus se disseminar. Se poucos foram contaminados, há muitos para contaminar.

Em segundo lugar, porque o abrandamento das medidas cautelares não se dá apenas por cansaço ou rebeldia: se dá porque os recursos para a resistência foram exauridos em quatro meses e meio de luta. Acabou a munição. E o controle da munição compete exclusivamente aos comandantes, não aos soldados.

Muitos setores da sociedade poderiam funcionar com restrições, em grande parte desses quatro meses e meio. Isso daria mais fôlego à comunidade. Essa não é uma corrida de cem metros; é uma maratona. Se o corredor forçar muito o ritmo no começo da maratona, não vai terminá-la. Ficará no meio. Bem. Nós estamos no meio.

Ainda há um longo trecho para concluirmos a prova. O que faremos para chegar bem ao final? Teremos de esquecer os erros que foram cometidos. Teremos de relegar as promessas vãs e as desilusões. Teremos de cuidar de nós mesmos.

Em março, abril e maio, se você saísse às ruas veria sete entre 10 pessoas usando máscara. Hoje é o contrário: de 10 pessoas, três estão com máscara. Isso é algo que podemos fazer sem grande sacrifício. Se você tem de sair, porque precisa sobreviver, que seja de máscara. Você pode usar máscara e cobrar de quem não usa. Faria diferença. O vírus está entre nós como jamais esteve. Temos de vencê-lo. Não é hora de pensar em culpas. É hora de pensar em soluções. Essa é uma delas, e nem é tão ruim assim: use a maldita máscara!

DAVID COIMBRA



29 DE JULHO DE 2020
ARTIGOS

NUNCA FOI E NUNCA SERÁ UM NOVO NORMAL


Não, não é normal não poder beijar minha mãe, não poder receber meus amigos em casa, não poder ir comprar uma roupa nova, não poder viajar, ir a shows, cinemas, bares e restaurantes. Não é normal sentir saudade de tanta gente, ficar tão inseguro com o futuro, ter medo de ficar sem dinheiro. Não é, nunca foi, e nunca será o meu novo normal.

Tudo aquilo que chamamos de normal passamos a aceitar. A normalidade acomoda e provoca a ausência de reflexões, da dúvida e da possibilidade de mudança. Não subestime sua inteligência e liberdade de poder se rebelar (mesmo que apenas internamente) contra o que possa estar acontecendo.

Estamos em um período transitório. Não se trata de reinventar. A ordem é adaptação e sobrevivência. No fundo, não queríamos estar criando tantas alternativas, e assim as fizemos na busca de uma solução para um problema imposto.

As emoções nunca estiveram tão afloradas e está tudo bem em não estar tudo bem. Talvez seja momento de apresentarmos nossas vulnerabilidades uns aos outros. Medo, raiva, culpa, tristeza, ansiedade, cansaço entre outras tantas emoções negativas estão sendo sentidas em todos os cantos do planeta. Negá-las é fazer um lockdown emocional sem opção de fuga, adoecendo o corpo, a mente e a alma.

Estamos todos juntos neste "bunker da vida" e os novos sentidos só irão surgir quando retornarmos à superfície.

Até lá, talvez você emagreça ou engorde. Talvez consiga ler os livros que sempre quis. Talvez não. Talvez aumente o desejo pelo seu parceiro, faça cursos, saia para correr, descubra alimentação saudável, brinque mais com seu filho, tire projetos dos papéis. Talvez não. Estamos em pausa. O mundo está no vestiário. Estamos todos sentados no banquinho do pensamento. Não se cobre. Não aumente a culpa.

Mas também sugiro não esquecer das pessoas e do quanto elas fazem falta. Aqueles que amamos e que nos amam, eles fazem falta. Aqueles velhos ou novos amigos, eles fazem falta. Aqueles que apenas conversam conosco na rua, que nos serviam algo, que tocavam nossas campainhas, eles fazem falta. E será com eles o caminho de volta.

GABRIEL CARNEIRO COSTA, EDUCADOR EMOCIONAL


29 DE JULHO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

UM ALERTA AOS PREFEITOS

O modelo de distanciamento controlado concebido no Rio Grande do Sul tem sido até o momento a melhor solução disponível para enfrentar o avanço do novo coronavírus. A despeito de eventuais contestações, o plano fez o Estado, apesar de o quadro inspirar cuidados, ter números não tão trágicos quanto os observados em outras unidades da federação. Ajudou a evitar, com a colaboração dos gaúchos, que se instalasse uma situação fora de controle que poderia tornar incontornável a pressão sobre o sistema de saúde, com quantidades ainda maiores de mortes.

Fruto de um amplo entendimento, foi desenhado pelo Estado um engenhoso mapa com indicadores que determinam quais atividades podem abrir ou fechar, em que regiões e quando, de modo a gerenciar com o máximo de previsão o tratamento às vítimas do vírus. Em nenhum momento, desde a sua implementação, houve a promessa ou a ilusão de que o modelo seria capaz de debelar rapidamente a pandemia no Rio Grande do Sul. Esse objetivo dificílimo foi alcançado em poucos países, como Nova Zelândia e Vietnã, mas seria um resultado improvável de ser obtido em qualquer parte do Brasil, por uma série de razões - geográficas, culturais, socioeconômicas e políticas. Mas, dentro do possível, o plano vem cumprindo a sua missão original, como mostram as estatísticas, a ponto de servir de inspiração para estratégias similares, como a adotada em São Paulo.

Com o passar dos meses, e a compreensível angústia pelo agravamento da situação no Estado nas últimas semanas, o modelo vem sendo questionado e até desprezado, tachado como ineficaz. Ele, de fato, não é perfeito, porque naturalmente seria incapaz de prever e dar resposta definitiva a todas as situações particulares em um território tão diverso quanto o Rio Grande do Sul. Observe-se, porém, que, no combate ao coronavírus, tudo é muito novo e ninguém - nenhum país, nem a Organização Mundial da Saúde - demonstrou até agora ter a solução ideal pronta. Todos os métodos são construídos no dia a dia e, apesar das imperfeições e eventuais falhas, é melhor do que nenhum plano, como ocorre na esfera federal.

Desde o início, em razão de seu ineditismo, o modelo de distanciamento controlado vem passando por mudanças calculadas e calibragens. No momento, discute-se mais uma, de oferecer mais autonomia aos prefeitos. A hipótese é sensata, a princípio. São os prefeitos os que melhor conhecem e podem gerenciar com mais precisão as questões específicas de seus municípios. Além disso, o movimento pressupõe que muitos prefeitos deixariam de se escudar em terceirizar responsabilidades por medidas impopulares e compartilhariam com o governo do Estado o ônus de medidas que gerem contrariedade mas ajudem a reduzir a circulação do vírus.

Mas é preciso deixar um alerta. Se os gestores municipais não tiverem pulso firme e independência e cederem a pressões localizadas e imediatistas, sempre mais agudas que as vindas de outras esferas administrativas, poderão ser levados a decisões que colocarão em risco a vida de seus cidadãos. O melhor encaminhamento, portanto, passa, como sempre, pela sensatez e responsabilidade. O mapa do distanciamento e suas premissas devem seguir como principais guias. Mas o modelo não se sustenta por si se não tiver a compreensão, o apoio e a adesão de todos. As outras alternativas extremas - determinar um lockdown generalizado, como houve na Itália e na Espanha, ou liberar geral - são custos altos demais para se pagar para ver.


29 DE JULHO DE 2020
MÁRIO CORSO

Um homem sem aniversário

Outono de 1987, Penitenciária Estadual do Jacuí. Francisco era o último preso que entrevistaria no dia. Processo para progressão de pena. Meia-idade, nenhum crime violento. Era um desses que poderiam ter uma nova chance. Lembrei da frase de um agente penitenciário: eles não mudam, eles cansam. Quem sabe ele estaria "cansado" dessa vida.

Examinando a papelada, vejo que seu aniversário seria no dia seguinte. Aproveito para lhe dar parabéns quando chega. Ele responde que não é este dia. Apenas é o que está nos documentos.

Ele resume sua história para explicar o fato. Do pai nunca soube, a mãe o entregou para a avó quando mal caminhava. Quando a avó morre, anos depois, ninguém conseguiu localizar a mãe, ou outro parente, e ele foi para um orfanato. Foi ali que obteve seu primeiro documento e estimaram a idade que tinha. Ele supõe que o dia no documento seja o mesmo em que o registraram. Que preencheram assim para não dar trabalho.

Até gostava do orfanato, mas fugia para procurar a mãe. Voltava quando tinha muita fome. Cresceu um pouco e foi parar na Febem por furto. Quando saiu, começou a traficar maconha e começou um ciclo. Ia preso por tráfico, quando voltava para a rua, voltava a traficar e era preso.

- Nunca encontrei minha mãe, acho que morreu. - Disse ele triste. - Queria saber meu signo.

Pediu-me um cigarro. Não fumo. Tinha porque nas cadeias é moeda de troca. Passo um cigarro e fósforos. Ele vai fumar de pé na janela olhando o Rio Jacuí. De lá, nem deixa prosseguir a entrevista. Diz não querer a progressão de pena. Justifica que está bem ali, tem amigos, é respeitado. Na conversa, nas entrelinhas, suponho que ele siga traficando, agora na prisão.

Pede apenas para ficar mais um pouco fumando e olhando o rio. Aceito o pedido. Fiquei na mesa pensando em quem topei. Um homem que recebera quase nada da vida. Não queria sair porque não tinha para onde ir. Não tinha família, raízes, nem mais a esperança de encontrar a mãe. Sua família agora eram a cadeia e o tráfico.

Provavelmente a busca, nas suas fugas infantis, era mais do que à mãe. Procurava a única pessoa que sabia sua origem. Como se pode ter um futuro quando não se tem um ponto de partida? O signo que ele queria saber seria uma identidade imaginária mínima, nem isso tinha.

Quando ele sai, na porta, digo que bem ou mal o aniversário que lhe tocou era o do papel. Lhe dou um maço de cigarros fechado como presente pela data. Ele me retribui com um sorriso.

Até hoje não sei se foi um gesto generoso ou se não suportei sua penúria subjetiva extrema. O desamparo de alguém que nem ao menos tem uma data para chamar de sua.

MÁRIO CORSO

29 DE JULHO DE 2020
INFORME ESPECIAL

A encruzilhada decisiva do governo de Jair Bolsonaro


Teoricamente, o governo federal encerra mês que vem o pagamento do auxílio emergencial a mais de 50 milhões de brasileiros. Foram bilhões de reais injetados na economia e que garantiram, por mais estranho que pareça, aumento de renda em segmentos mais carentes da população, em plena pandemia.

Capitaneada pelo liberal Paulo Guedes, a abertura das torneiras dos cofres públicos terá um preço a médio prazo, com o aumento do rombo nas contas do governo. E outro a ser pago a partir de setembro, caso o auxílio emergencial deixe de chegar aos bolsos dos eleitores. Ainda longe da recuperação, a economia brasileira sentirá um baque gigantesco. Não apenas nas empresas, também favorecidas pela possibilidade de mudança nos contratos de trabalho, mas nas milhões de famílias de mais baixa renda.

Difícil prever o que acontecerá quando o benefício deixar de ser pago. Mas é possível antever problemas, como aceleração do desemprego, fome e aumento da violência, passando por danos políticos com reflexos nas eleições municipais e até mesmo mais adiante, em 2022.

Enquanto isso, Bolsonaro trabalha para emplacar o Renda Brasil, apelidado de Novo Bolsa Família, que poderá pagar até R$ 300 por mês aos beneficiados. Só que, para implementar a ideia, o governo precisa de tempo, da nova CPMF e do Congresso, agora com nova correlação de forças depois que o DEM e o MDB se afastaram no Centrão.

Paulo Guedes tem manifestado a interlocutores próximos a sua intenção de suspender mesmo o pagamento do auxílio emergencial. Diante dessa possibilidade, a postura do Congresso - em ano de eleição - será decisiva, assim como foi na prorrogação do benefício. Mas a palavra final caberá a Jair Bolsonaro, que pensa na reeleição e sabe, porque aprendeu com Lula, como garantir o voto de milhões de brasileiros que dependem do governo para comer.

TULIO MILMAN

terça-feira, 28 de julho de 2020



28 DE JULHO DE 2020
DAVID COIMBRA

Chegamos ao momento decisivo da luta contra a peste

Não sei como é que Churchill conseguia fazer tantas coisas ao mesmo tempo. Além de toda a sua conhecida atividade política, ele foi um historiador prolífico. Já falei de um de seus livros que tenho cá, nas minhas estantes, A História da Segunda Guerra Mundial, em 10 alentados volumes. É um belo relato em primeira mão de um dos grandes protagonistas desse período trágico da história do mundo. O autor não é isento, claro, mas que autor é?

Churchill ganhou o Prêmio Nobel de Literatura por sua obra. Ou seja: foi muitíssimo bem-sucedido como escritor.

Em certo momento da vida, ele decidiu tornar-se pintor, sobretudo para combater a depressão, que sempre o atormentou. Foi Churchill o primeiro a definir a depressão como "um cão negro", e hoje essa metáfora é bastante usada até por profissionais da área.

Os quadros de Churchill em geral são paisagens de estilo impressionista. São bem bonitos. Também como pintor ele se saiu bem.

No segundo volume de A História da Segunda Guerra Mundial, há um capítulo intitulado "Em apuros". Churchill começa assim:

"Naqueles dias de verão de 1940, depois da queda da França, nós ficamos inteiramente sós. Nenhum dos domínios britânicos, nem a Índia, nem as colônias, poderiam enviar auxílio decisivo, nem mandar o que possuíam nessa época. Os enormes exércitos alemães, vitoriosos, completamente equipados e dispondo de amplas reservas de armas capturadas, bem como de arsenais, na retaguarda, procediam a concentrações, para vibrar o golpe final".

Durante todo aquele verão europeu, junho, julho e agosto, só o que se falava, na Inglaterra, era na possibilidade de uma invasão alemã. Os ingleses esperavam e se preparavam para o pior. Em 11 de setembro, Churchill discursou em cadeia nacional de rádio. Descreveu com pormenores a situação da guerra e finalizou desta forma:

"Precisamos considerar a próxima semana ou a seguinte como um período muito importante da nossa história. Estamos na mesma situação daquele dia em que a armada espanhola se aproximava do canal, e Drake acabava de terminar o seu jogo de bolas, ou da ocasião em que Nelson se interpôs entre nós e o grande exército de Napoleão em Boulogne. Lemos tudo isso em nossos livros de história, mas o que está acontecendo agora é em escala muito maior e com consequências mais graves para a vida e o futuro do mundo".

O alerta de Churchill mobilizou os britânicos, eles resistiram e o pior não aconteceu.

Agora, nós, gaúchos, estamos passando por um momento semelhante. Estamos vivendo o período mais grave da nossa história. A guerra contra a peste chegou a um ponto de inflexão. Teremos semanas decisivas pela frente, e parece que estamos esgotados, parece que nossas forças estão se esvaindo. É um perigo. Temos de nos motivar outra vez. Podemos ser invadidos e submetidos. Ou podemos nos mobilizar e enfrentar o mal.

Não importa mais se os governantes acertaram ou erraram. Não importa mais o que foi feito. Já levantei esse debate, mas, hoje, ele é inútil. O que importa é que precisamos nos concentrar nesses próximos dias. Temos de fazer o que fizemos em março e abril. Pelo menos isso. Temos de reunir o que nos resta de energia e força. Que ninguém saia de casa, se não tiver de sair. E, se sair, que seja de máscara. A restrição mais relevante a ser feita hoje, pelo poder público, é à circulação de pessoas sem máscara. A máscara é o escudo contra esse invasor invisível. Temos de usá-la e fazer com que os outros a usem. Temos de tomar cuidados todos os dias, toda hora, por mais um pouco.

Mais um pouco.

Resiliência. Precisamos de mais um tempo de resiliência. Não podemos nos render, como insistia Churchill. Vamos resistir. E vencer.

DAVID COIMBRA


28 DE JULHO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

O CUIDADO COM AS ARMAS

O crescimento, observado no Rio Grande do Sul, de 242% no registro de armas novas no primeiro semestre em comparação a igual período do ano passado, como mostrou reportagem publicada na edição de ontem de Zero Hora, faz ser necessário soar uma série de alertas em nome da segurança de todos. 

Por um lado da questão sempre controversa, é louvável a disposição de legalizar o que, de outra forma, poderia estar na clandestinidade. É preciso reconhecer ainda que, no Brasil, a posse de armas é legítima, prevista na legislação e autorizada mediante diversos critérios. Mas, na outra perspectiva, uma abundância de armamento nas mãos da população em geral, mesmo que a aquisição tenha uma intenção válida, gera ao menos três tipos de riscos adicionais, em particular para quem não está familiarizado com o manejo e se imagina protegido pela simples posse de um revólver ou pistola.

O perigo mais comum é de uma reação equivocada e desastrada, com conse- quências nefastas. A autoconfiança, que gera uma falsa sensação de segurança em quem não detém o conhecimento teórico e o treino prático, leva, com certa frequência, a desfechos graves com repercussões trágicas ao proprietário ou seus familiares em casos de assaltos ou ameaças ou mesmo ao cometimento de um crime em um momento de desequilíbrio emocional. Outro risco está nos chamados acidentes domésticos. 

Armas são uma atração muitas vezes irresistível para crianças e adolescentes. Inúmeras tragédias no seio do lar já ocorreram porque o dono do armamento o deixou ou esqueceu destravado e municiado ao alcance de pessoas que, pela imaturidade ou outra razão, não compreendem os perigos de manipular qualquer artefato letal. Por fim, armas furtadas ou roubadas são uma das principais fontes de abastecimento do mundo do crime. Quanto mais forem vendidas, mais elevado será o risco de um número maior acabar caindo em mãos erradas, alimentando o ciclo sem fim da violência e da criminalidade.

É necessário reforçar ainda que posse de arma é bem diferente de porte. A primeira dá ao proprietário o direito de tê-la em sua residência ou local de trabalho. A segunda confere a possibilidade de circular armado. O desrespeito a esses conceitos ou mesmo a compra de armas ilegais abre margem para dramas como o da família que teve três pessoas assassinadas na zona sul de Porto Alegre, no início do ano, em razão de uma discussão banal de trânsito. A dor que aflige os que perderam seus entes queridos é indescritível. Mas, de certa forma, o episódio também se converte em uma desgraça para a família do rapaz que está preso e terá de responder na Justiça pelo crime.

Todo cidadão que tiver a intenção de comprar uma arma deverá, antes de adquiri-la, estar ciente das responsabilidades, dos riscos e pesar prós e contras. Se ainda assim a decisão for pela obtenção, para possuir um armamento em casa é imprescindível ter o treinamento e o conhecimento adequados, bem como ser rigorosamente avaliado pelas autoridades competentes para se ter certeza de que reúne condições para a posse. Tudo para evitar novas tragédias.


28 DE JULHO DE 2020
CHAMOU ATENÇÃO

Uma manhã cheia de raios

Em um começo de semana marcado pelo mau tempo, chamou a atenção, além da chuva, a quantidade de raios registrada na manhã de ontem no Rio Grande do Sul. São Francisco de Paula, na Serra, e Triunfo, na Região Metropolitana, tiveram a maior incidência, apontou um levantamento feito pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Elat/Inpe).

Segundo o relatório, das 5h até as 10h, o município serrano teve 718 ocorrências, enquanto o metropolitano registrou 626 raios durante o período. A quantidade, diz Osmar Pinto Junior, coordenador do Elat/Inpe, é expressiva, no entanto, não deve se tratar de um recorde.

- Estamos com um sistema frontal no Rio Grande do Sul. Embora não sejam números severos, pois o Estado já teve situações mais críticas, são expressivos. Mais de cem em um município é indício de severidade - diz, explicando que esse índice refere-se ao período de tempo de duração da tempestade.

Em Porto Alegre, onde o fenômeno também foi percebido ao amanhecer, foram 145 raios no mesmo período de tempo. Dados da BrasilDat Dataset, fornecidos pelo Elat/Inpe, mostram que, durante a manhã, foram detectados 11.163 raios nuvem-solo e 9.075 raios intranuvem (dentro das nuvens) em todo o Rio Grande do Sul.

- Não é nenhum recorde. Mas, talvez, essa quantidade possa ser inédita para São Francisco de Paula. A tempestade não atingiu todo o Estado, isso diminui o número total de raios - ponderou o coordenador.

Em 17 de setembro do ano passado, a alta incidência na Capital chegou a interferir nas atividades do aeroporto Salgado Filho, que precisaram ser suspensas por três vezes por questão de segurança.