quinta-feira, 30 de março de 2023


30 DE MARÇO DE 2023
CAPA

Beckett em tempo de emergência

Refletindo sobre o estado do planeta, Luciano Alabarse encena "Esperando Godot" com elenco exclusivamente feminino

Uma montagem diferente de uma das maiores peças do teatro moderno estreia no Teatro Oficina Olga Reverbel, novo espaço do Multipalco Eva Sopher (Praça Mal. Deodoro, s/nº), em Porto Alegre, aberto na segunda-feira.

Sob direção de Luciano Alabarse, Esperando Godot ganha novos contornos, buscando refletir sobre a realidade do mundo, que atravessa um caos ambiental. O elenco conta grandes atrizes gaúchas, que vivem papéis masculinos: Sandra Dani (Estragon), Janaína Pellizon (Vladimir), Arlete Cunha (Pozzo), Lisiane Medeiros (Lucky) e Valquíria Cardoso (Menino). A peça estará em cartaz a partir de amanhã e segue em temporada até 30 de abril, de sextas a domingos, sempre às 19h. Os ingressos estão à venda por R$ 40 pelo site teatrosaopedro.rs.gov.br.

Dividido em dois atos, Esperando Godot se passa em uma região desértica, sem definições temporais ou geográficas. Uma árvore seca simboliza o mundo estéril onde os protagonistas revelam suas necessidades e agonias. Sem acontecimentos relevantes ou perspectivas de mudança, dedicam-se a passar o tempo esperando Godot - que ninguém sabe exatamente quem é ou quando chegará. O tempo não se altera. A vida permanece circular e repetitiva.

- O ser humano está sempre em espera: de salvação, compreensão, esperança, felicidade, redenção. O que queremos valorizar são os aspectos filosóficos que o texto traz dessa espera, que é da própria condição humana - explica Alabarse.

A peça é a mais conhecida do irlandês Samuel Beckett e estreou em 1953, mesmo ano do nascimento de Alabarse. Marcando o chamado teatro do absurdo, a obra motivou incontáveis estudos, encenações e resenhas ao longo de sete décadas.

Depredação

O texto dá uma orientação imprecisa sobre o espaço onde se desenrola a história: "Estrada no campo. Árvore. Entardecer." A montagem gaúcha opta por uma ambientação que leva em conta a realidade da vida contemporânea: águas poluídas, toneladas de lixo tóxico empesteando a natureza, desertos transformados em depósitos de resíduos e detritos, sujeira. O texto de Beckett pede um olhar que revele o estado deplorável do planeta, defende o diretor:

- A depredação do mundo é real, não é ficção. Está cada vez mais próxima da gente.

Apesar de a peça ter sido escrita para personagens masculinos, montagens com elenco feminino já foram realizadas outras vezes - no Brasil, a primeira e uma das mais famosas foi em 1976, dirigida por Antunes Filho, com Eva Wilma, Lilian Lemmertz, Lélia Abramo, Maria Yuma e Vera Lima. A iniciativa para a montagem gaúcha partiu de Alabarse e Sandra Dani.

- O que importa são as sensações, emoções, contradições do ser humano. E essas características dos personagens beckettianos são comuns tanto a homens quanto a mulheres - pondera Alabarse.

Sandra, 75 anos, destaca que a proposta do espetáculo é levar o público a refletir, mas sem se tornar "pesado", utilizando-se, em certos momentos, do humor.

- O texto é maravilhoso e é muito atual também - opina Sandra, ressaltando outras questões pertinentes à realidade brasileira abordadas na peça: a exclusão e a disparidade social.

A atriz acrescenta que aprecia desafios como esse:

- De uns anos para cá, não quero fazer qualquer coisa só para estar em cena. Quero algo que me provoque, que seja crescimento.

 FERNANDA POLO

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