17/03/2023 - 09h00min
Martha Medeiros
Quase gosto de estar envelhecendo. Quase. Preferiria congelar nos 50, mas deter o tempo como?
Cada um é livre para fazer o que deseja, eu
faço nada. Invisto em maquiagem leve, tonalizante nos cabelos e exercícios
físicos – de agulhas, passo longe
Ainda prefiro defender a tese de
que o tempo costuma, sim, deixar tudo mais bonito. Tem pessoas que adoram
obras, estão sempre derrubando uma parede, trocando um piso, consertando um
telhado, às vezes tudo isso ao mesmo tempo. Eu?
Nem que tivesse energia e
dinheiro sobrando. Minha especialidade na vida é evitar incomodação. Sou craque
em manter as coisas como as encontro – a não ser que representem algum risco.
Só de imaginar as negociações de prazo, o entra-e-sai de funcionários e o
barulho, desisto e me apego à tese de que o tempo deixa tudo mais bonito.
Parece desculpa para a preguiça,
mas há um fundamento. As coisas gastas desenvolvem um valor, digamos,
atmosférico. Ganham ranhuras, trocam de cor e se revestem, por fim, com a aura
sofisticada da permanência. Resistiram a modismos e ansiedades, viraram
testemunhas do que foi vivido ao seu redor. Acho isso de uma elegância rara,
pena que só valorizada lá longe, na Europa.
Este texto deveria ser publicado
em algum folheto de antiquário, eu sei, ou de um museu. Sou bem retrô em
relação a certos assuntos. Gosto de novidades, desde que a ebulição aconteça
dentro da minha cabeça, sem necessidade de um caminhão de mudanças. Tive poucos
endereços na vida. Preservo amizades feitas no colégio. Conto mês a mês os
aniversários de relacionamento, e quanto mais ele resiste íntegro e
satisfatório, mais me orgulho. Quase gosto de estar envelhecendo.
Quase. Preferiria congelar nos
50, mas deter o tempo como? Cada um é livre para fazer o que deseja, eu faço
nada. No que diz respeito à vaidade pessoal, sigo a mesma cartilha das paredes,
pisos e telhados: deixo tudo como está. Invisto em maquiagem leve, tonalizante
nos cabelos e exercícios físicos – de agulhas, passo longe.
Até aqui, dispensei procedimentos
rejuvenescedores, como botox, preenchimentos ou lifting (o “valor atmosférico”
do meu rosto confirma). Nunca fui estonteante, o que ajuda a envelhecer sem
pânico. Não há tanto a perder, afinal, e o que se ganha fica visível de outra
forma.
Mulheres lindas de nascença
talvez sofram mais para aceitar com tranquilidade o desgaste da própria
aparência. E as apaixonadas por obras, essas nem querem saber: têm conta nas
clínicas de estética e trocam de pele como quem troca de tapete. Não posso
garantir que um dia não venha também a ceder meu corpo a reformas (mesmo o
corpo sendo uma casa provisória: não o deixaremos de herança para ninguém). Mas
ainda prefiro defender a tese de que o tempo costuma, sim, deixar tudo mais
bonito. É quando a dignidade prevalece.
Alterações físicas nos abalam,
mas devemos reagir a elas com calma, sem exagerar na camuflagem. Nada adianta
fazermos das nossas casas – corpo e residência – lugares belos para se
fotografar, mas que dão a impressão de não haver nenhum morador dentro.
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