terça-feira, 21 de março de 2023



21/03/2023 - 16h45min
Fabrício Carpinejar

Consigo saber quem você é pelo tipo de café que você toma

Qual é o seu? Há quem leia o futuro na borra do café. Eu leio pessoas. Quem toma café com leite é mais tradicional, conservador, com opiniões contundentes e polêmicas. Segue essa mistura desde a infância e jamais mudou. Anda em linha reta na sua atitude, honrando pai e mãe. Defende a disciplina e o rigor como degraus da realização pessoal. É orgulhoso de poucas palavras. Só acredita nas conquistas feitas pelo suor e trabalho pesado. Odeia desculpas e adiamentos.

Quem toma café com leite, mas mergulha o pão ou a bolacha na xícara, é saudosista. Amolece diante de uma declaração de amor. Seu coração é de farinha. Sempre sente falta de alguém do passado que já morreu ou não está mais aqui. Tem um carinho predileto por detalhes, como os desenhos na toalha de mesa ou na louça. Sofre de apego. Não joga nada fora. Até uma caixinha de fósforos antiga é lembrança sagrada de um momento.

Quem toma café pingado, um tapa de leite no café, para fazer um telhado nevado, para não deixar a cafeína agir sozinha, tem uma postura mediadora. Resolve conflitos, busca o contraponto, tem vocação para a diplomacia familiar e empatia para entender o outro lado nas discussões. É um porta-voz da serenidade.

Quem toma café com açúcar mantém o espírito brincalhão da infância. Quer ser aceito, amado e vive fazendo brincadeiras. É carente, preocupado com as amizades, aflito com o que as pessoas próximas pensam a seu respeito. Brigar com um afeto é o equivalente ao fim do mundo, a um apocalipse de remorsos. Sente-se completo quando está com toda a família. Vai tirar fotos, na maior parte das vezes, acompanhado.

Quem toma café com adoçante já sofreu demais na vida. É pessimista, gloriosamente rabugento. Reclama de tudo com sua inteligência desencantada e sua ironia de poucos adeptos. Compara o ontem e o hoje pontualmente, lembrando o quanto já foi feliz antes. Até porque usa o adoçante no lugar do açúcar, como uma readaptação de costumes por exigência médica ou dieta. Existe uma renúncia implícita na escolha.

Quem toma café com bastante água — um “cháfé”! —, em que é possível enxergar o fundo da porcelana, mostra-se temperamental, genioso, determinado, duro de se convencer. Precisa diluir a sua personalidade de tão concentrada que ela é. Compõe uma maioria cafeística descendente da térmica do escritório.

Quem toma café puro e forte é despojado, viajante, livre. Essencializou a sua existência ao mínimo, ao pó mais rarefeito. Pode ter sido um dia todos os exemplos anteriores, porém remodelou a sua conduta para o despojamento. Seu ideal é ser leve e não acumular mais culpa por aquilo que não aconteceu ou deixou de fazer. Experimenta o presente de modo crucial, sem grandes projeções e expectativas. O shot curto é uma demonstração de sua mobilidade. Não fica preso excessivamente a nenhum lugar fixo. Não pretende depender de ninguém, muito menos de uma colherzinha.

Por último, numa definição emprestada do poeta Mario Quintana, existe o tipo que exige o café pelando para beber unicamente quando ele estiver frio de vento e de espera. O que é um sinal evidente de esnobe arrogância.

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