18/03/2023
Fabricio Carpinejar
Para ter graça, para ser inesquecível, a viagem precisa de uma grande
gafe, de um vexame sem precedentes. Quanto maior o mico, mais duradoura será a
memória.
A gargalhada é um marcador de
página da cumplicidade a dois, a moldura do postal do lugar visitado. Estava
com a esposa no Museo delle Sinopie de Pisa, junto da famosa torre inclinada,
na Toscana (Itália). Enfrentávamos um inverno rigoroso em nossas férias, com
temperatura de zero grau. Era frio, frio mesmo, de renguear o cusco, tanto que
usava ceroula.
Fui aproveitar o ingresso para ir
ao banheiro de graça. Nas estações de trem, o acesso é cobrado. Um euro por
pessoa. Poupei aquele euro para o café.
Estranhei que a privada se
encontrava com resíduos inconvenientes do último frequentador. Achei uma
descarada ausência de educação e de asseio. Não custava nada pressionar um
botão antes de se despedir do ambiente. Apertei a descarga por ele. Não
aconteceu nenhum movimento no vaso, a água sequer tremeu. Deveria estar
estragada. Perdoei mentalmente o meu desleixado antecessor.
Tirava a água dos joelhos
tranquilamente. De repente, escutei um alarme ecoando pelas paredes do
sanitário. Uma sirene enlouquecida. Nem o badalar dos sinos da catedral
românica de mármore, naquela Piazza dei Miracoli, mostrava-se tão escandaloso. Apressei
a minha necessidade temendo que fosse um incêndio. Só o que me faltava ter um
acidente logo na minha primeira vez na região, sequer tinha subido na torre
torta.
Também não queria morrer com as
calças e ceroulas arriadas, em cena absolutamente desprovida de dignidade,
longe de casa e do meu rincão. Dei um ligeirão para sair logo dali. Apertei o
alarme de incêndio em vez da descarga. O botão do alarme de incêndio estava ao
lado da privada.
De supetão, um funcionário entrou
no banheiro. Detalhe: eu tinha chaveado a porta. Ele me pegou desprevenido,
desmontado pela metade. Assustado, pulei como um saci colorado em sua direção. Pensei
que ele tinha aparecido para me salvar, para resgatar pessoas presas no
recinto.
Porém, sua agitação não
transparecia amistosidade, muito menos preocupação. Não tinha jeito de socorro.
Pelo contrário, ele me acusava. Gritava desaforos incompreensíveis em italiano.
Eu não entendia do que ele me ofendia. Pedi com calma:
— Can you speak English, please? Foi
quando ele me explicou que apertei o alarme de incêndio em vez da descarga. O
botão do alarme de incêndio estava ao lado da privada. Coloquei o prédio
inteiro a evacuar comigo.
Na saída do museu, Beatriz, junto
de uma multidão de curiosos, depois de me perder lá dentro, abraçou-me com
vontade, aliviada por estar seguro: — Você viu que teve um incêndio? Por
precaução, não apertei mais a descarga nos dez dias que nos restavam na Itália.
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