16/03/2023 - 16h31min
Fabrício Carpinejar
Morrer é uma longa fila
Cada um tem o seu lugar. Não tem como sair dele ou ir para trás. A grande escritora Lya Luft, que nos deixou em dezembro de 2021, criou uma imagem extremamente simbólica sobre a morte. Ela dizia que estamos na fila. Morrer é uma longa fila. Cada um tem o seu posto. Não tem como sair dele ou ir para trás. Não tem como voltar para o fim da fila.
É inútil tentar espiar o tumulto na porta da eternidade. A triagem permanece longe da sua consciência e do seu ângulo de visão. O fluxo de pessoas dobra o quarteirão. Você não enxerga o quanto ainda precisará andar. Nem o quanto já percorreu.
A morte é inegociável. Pode ter quarenta anos e estar se aproximando do desenlace. Pode ter 80 anos e ainda experimentar um longo tempo de pé. A cada dia, você avança mais um pouco para a sua despedida. Um dia a mais é também um dia a menos.
Não importa quem você é, o quanto acumulou de dinheiro e de posses. Não há como vender o seu lugar ou comprar um mais distante. A morte é inegociável. Não vai funcionar carteiraço, muito menos desafiar os fiscais e os anjos perguntando se não sabem com quem estão falando.
Sucesso e fama não garantirão um espaço vip. Milhões de seguidores nas redes sociais não reduzirão o tamanho da sua solidão. Somos todos pobres no fim. Sem malas. Sem bagagens. Sem documentos. Sem bolsa. Sem passaporte. O que vale é o que carregamos em nosso coração, nada mais.
Não teremos informação de quantas pessoas estão atrás ou mais adiante. Não existe como sair do nosso ritmo, do nosso andamento, do nosso destino.
Tampouco desfrutaremos de conhecimento de quantos familiares estão por chegar lá. Ninguém dará spoiler ou avisos prévios da nossa duração por aqui. Não existe fila preferencial. A idade não traz nenhuma diferença ou benefício. Seu filho pode estar na sua frente e você não conseguirá fazer nada. Não há como ceder o seu lugar para ele. Quando sua esposa ou seu marido estiverem quase saindo da fila, você nem desconfiará.
As coisas só acontecem quando têm que acontecer. Portanto, não menospreze nenhum momento. Esteja preparado para partir a qualquer instante, para não adiar mais nada de sua vida.
Não guarde mágoas, não procure vingança, não amontoe fantasias irrealizadas, não esconda seus medos nas gavetas, não cultive ressentimentos, coloque suas dores ao sol, não fuja de encontros porque deseja estar cem por cento ou inteiramente disponível, não se afaste dos amigos leais, não desmereça o seu corpo, não brigue com a família por ser teimoso ou orgulhoso, já calejado com a sua dificuldade para perdoar.
Às vezes, o andar na fila é mais apressado, quando somos avarentos conosco, quando nos acreditamos onipotentes. Outras vezes, é mais lento, principalmente quando somos felizes na simplicidade, humildes no improviso e esquecemos que estamos morrendo de tanto que estamos vivendo intensamente cada minuto.
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