segunda-feira, 20 de março de 2023


20 DE MARÇO DE 2023
CAPA

Visão contemporânea de clássico

Estreia hoje "Amor Perfeito", novela inspirada no livro "Marcelino Pão e Vinho", do espanhol José María Sanchéz Silva

Um menino é abandonado em um mosteiro, cresce sendo criado pelos freis e padres, ao passo em que sonha com os pais biológicos. A história de Amor Perfeito, a nova novela das 18h da Globo, parece familiar. E de fato é: foi inspirada no livro Marcelino Pão e Vinho (1950), do escritor espanhol José María Sánchez Silva, que já virou filme e desenho animado.

A história, porém, é uma trama única, linear, diferente do formato de um folhetim, que é caracterizado por vários núcleos e subtramas. O desafio do trio de autores Duca Rachid, Júlio Fischer e Elísio Lopes Jr. foi construir uma narrativa mais complexa a partir desse mote clássico, responsável por marcar a infância de muitas crianças dos anos 1950 e 1960, inclusive a deles.

- A primeira vez que fui ao cinema foi com a minha avó, uma imigrante portuguesa, analfabeta, que nunca tinha ido ao cinema também. Ela foi para assistir Marcelino Pão e Vinho e me levou. Eu tenho uma relação muito afetiva com essa história. Devia ter uns seis ou sete anos de idade - lembra a autora Duca Rachid.

O folhetim apresenta aos espectadores o seu Marcelino, interpretado pelo ator mirim Levi Asaf. Diferentemente do personagem de Sánchez, o protagonista de Amor Perfeito não foi entregue aos cuidados dos religiosos por conta da morte dos pais. Ele tem pais biológicos vivos. São Marê e o médico Orlando, a cargo de Camila Queiroz e Diogo Almeida.

A personagem de Camila Queiroz é acusada injustamente de matar o pai, o empresário Leonel Rubião (Paulo Gorgulho), graças a uma armação da madrasta Gilda (Mariana Ximenes). A vilã tem a ajuda do golpista Gaspar (Thiago Lacerda), que era noivo de Marê e não suporta o fato de ela ter se apaixonado por Orlando. A armação da dupla acaba separando a mocinha de seu amado e ocasionando também a prisão dela.

É lá que a personagem descobre que está esperando um filho e dá à luz Marcelino. Minutos após o parto, temendo que Gilda tome a guarda da criança, ela entrega o bebê para adoção.

- Ela tem uma gravidez inesperada e nos anos 1930. Imagina só, naquela época, uma mulher engravidar de um homem que não é o seu marido. Vive essa gravidez na cadeia, vítima de uma prisão injusta, sem o pai, sem uma pessoa de confiança... Tem um cordão umbilical dos dois que nunca foi rompido e que se torna a maior força dela - afirma Camila.

Diversidade

Enquanto isso, Marcelino cresce junto aos religiosos da Irmandade dos Clérigos de São Jacinto, local que é emblemático para a trama. Trata-se de uma casa de acolhimento que reúne freis e padres desgarrados, pertencentes às mais diferentes ordens religiosas e de gerações distintas, que ali encontram abrigo e constroem uma espécie de família cercada pelo amor fraterno e pela diversidade.

O núcleo dos religiosos é marcado por atores renomados da dramaturgia. Os clérigos são interpretados por nomes como Tonico Pereira, Tony Tornado, Babu Santana e Chico Pelúcio, conhecido pelo trabalho no Grupo Galpão, uma das mais reconhecidas companhias teatrais brasileiras. Vivendo o seu primeiro personagem em novela após algumas participações em séries da Globo, Pelúcio destaca a importância do núcleo para a mensagem que almejam passar:

- Entre as funções fundamentais desse núcleo, a primeira é desmistificar o formato de família. Estamos em um momento em que várias formas de família existem. O Marcelino tem uma com o padre e com os freis. O amor ali é um amor paterno, mas não biológico.

Nesse sentido, a novela cumpre outro importante papel ao reunir um número grande de atores e atrizes negros em cena. E fugindo do que, infelizmente, ainda é usual na dramaturgia, o arco dos personagens vividos por eles não é obrigatoriamente relacionado a experiências de racismo. Ou seja, os personagens negros de Amor Perfeito não existem como um motivo para a novela discutir o preconceito racial - embora a trama promova debates.

No entendimento do trio por trás da história, já passou da hora de a dramaturgia escalar atores e atrizes negros para qualquer tipo de papel, assim como há décadas vem sendo feito com os profissionais brancos. É mais um ponto positivo da nova novela das seis, que apesar de se passar nos anos 1930 e trazer para a tela uma trama deliciosamente folhetinesca, mostra- se atenta e sensível às questões contemporâneas.

 CAMILA BENGO

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