sábado, 18 de março de 2023


18 DE MARÇO DE 2023
MARTHA MEDEIROS

Em Obras

Tem pessoas que adoram obras, estão sempre derrubando uma parede, trocando um piso, consertando um telhado, às vezes tudo isso ao mesmo tempo. Eu? Nem que tivesse energia e dinheiro sobrando. Minha especialidade na vida é evitar incomodação. Sou craque em manter as coisas como as encontro - a não ser que representem algum risco. Só de imaginar as negociações de prazo, o entra-e-sai de funcionários e o barulho, desisto e me apego à tese de que o tempo deixa tudo mais bonito.

Parece desculpa para a preguiça, mas há um fundamento. As coisas gastas desenvolvem um valor, digamos, atmosférico. Ganham ranhuras, trocam de cor e se revestem, por fim, com a aura sofisticada da permanência. Resistiram a modismos e ansiedades, viraram testemunhas do que foi vivido ao seu redor. Acho isso de uma elegância rara, pena que só valorizada lá longe, na Europa.

Este texto deveria ser publicado em algum folheto de antiquário, eu sei, ou de um museu. Sou bem retrô em relação a certos assuntos. Gosto de novidades, desde que a ebulição aconteça dentro da minha cabeça, sem necessidade de um caminhão de mudanças. Tive poucos endereços na vida. Preservo amizades feitas no colégio. Conto mês a mês os aniversários de relacionamento, e quanto mais ele resiste íntegro e satisfatório, mais me orgulho. Quase gosto de estar envelhecendo.

Quase. Preferiria congelar nos 50, mas deter o tempo como? Cada um é livre para fazer o que deseja, eu faço nada. No que diz respeito à vaidade pessoal, sigo a mesma cartilha das paredes, pisos e telhados: deixo tudo como está. Invisto em maquiagem leve, tonalizante nos cabelos e exercícios físicos - de agulhas, passo longe. Até aqui, dispensei procedimentos rejuvenescedores, como botox, preenchimentos ou lifting (o "valor atmosférico" do meu rosto confirma). Nunca fui estonteante, o que ajuda a envelhecer sem pânico. Não há tanto a perder, afinal, e o que se ganha fica visível de outra forma.

Mulheres lindas de nascença talvez sofram mais para aceitar com tranquilidade o desgaste da própria aparência. E as apaixonadas por obras, essas nem querem saber: têm conta nas clínicas de estética e trocam de pele como quem troca de tapete. Não posso garantir que um dia não venha também a ceder meu corpo a reformas (mesmo o corpo sendo uma casa provisória: não o deixaremos de herança para ninguém). Mas ainda prefiro defender a tese de que o tempo costuma, sim, deixar tudo mais bonito. É quando a dignidade prevalece.

Alterações físicas nos abalam, mas devemos reagir a elas com calma, sem exagerar na camuflagem. Nada adianta fazermos das nossas casas - corpo e residência - lugares belos para se fotografar, mas que dão a impressão de não haver nenhum morador dentro.

MARTHA MEDEIROS

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