Mulheres malcomportadas
A mulher introduziu o mistério e
a malícia, colocou mais camadas entre o corpo e a alma
6.mar.2023 às 6h00
Sem costela nenhum homem se
sustenta. Não foi por acaso que foi da costela do primeiro homem que surgiu a
mulher. Mas Adão penou, teve que esperar um pouco para conhecer a sua metade.
Como nada acontece por acaso, a demora foi deliberada: para que o homem
experimentasse a sua própria singularidade e incompletude.
E surge Eva, que mal chegou e já chegou transgredindo. Foi atrás da única coisa proibida entre as infinitas benesses do Jardim paradisíaco. Depois induziu o homem que, coitado, foi levado a cometer junto o pecado original. Foi aí, por culpa —ou graças à mulher— que começou a confusão entre o bem e o mal.
Eva, ao mesmo tempo que deu à luz
toda a humanidade, tirou a clareza inconteste da vida. Trouxe mais complexidade
ao mundo: porque a sua própria natureza já veio complexa. Tornou mais longo e
árduo o caminho em busca de sentido, mas ao mesmo tempo, nos deu o mérito da
procura pela nossa verdade. Introduziu o mistério e a malícia, colocou mais
camadas entre o corpo e a alma. Corrompeu a linha reta, borrou o preto e o
branco. Trouxe a vergonha da nudez, para que essa vergonha fosse antes
conquistada para ser despida. Apresentou ao mundo a desobediência e a
subversão. Eva, que reúne a essência de todas as mulheres, tirou, enfim, o
mundo do tédio.
E vieram depois outras mulheres,
também rebeldes, que fazem a diferença. Entre elas, Eleanor Roosevelt, que
disse: "mulheres bem-comportadas raramente fazem história".
Rosa Parks não cedeu seu assento
no ônibus para um branco e rompeu a lei de segregação racial dos transportes
públicos. Malala peitou os talibãs e garantiu mais educação a mulheres e
crianças. Golda Meir deu um banho nos líderes e ensinou que para ter pulso
firme não precisa de músculos. Maria da Penha usou suas dores para gritar pelas
dores de todas as mulheres.
Anne Frank abriu seu esconderijo
secreto e escreveu ao mundo os horrores da perseguição. Leila Diniz exibiu a
barriga mais linda do mundo. De Ella a Elis, vieram as melhores vozes. De Dona
Canô, os nossos maravilhosos baianos. Emily Brontë teve que se chamar Ellis
Bell para ser lida. Jane Austen deixou a louça suja na cozinha para escrever
seus livros. Clarice é pura liberdade e a mais perfeita desordem em palavras.
Chimamanda nos alertou dos perigos da história única.
Se tivéssemos uma história única,
ainda estaríamos sufocadas pelo espartilho, não teríamos o direito de estudar,
votar, trabalhar, gozar, se divorciar, jogar futebol.
Eva nos deixou a dor no parto.
Tem dores que só mulheres conseguem suportar. Tem outras que elas jamais
deveriam sentir. Feliz semana da Mulher.
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