Tudo em todo o Oscar
"Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" vence os troféus de melhor filme, direção, atriz (Michelle Yeoh), ator coadjuvante (Ke Huy Quan), atriz coadjuvante (Jamie Lee Curtis), roteiro original e montagem
Quase deu para sentir saudade do tapa que o ator Will Smith deu no comediante Chris Rock, no Oscar de 2022, tamanha a falta de surpresas na 95ª premiação da Academia de Hollywood, na noite de domingo. Conforme previsto, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo - disponível no Amazon Prime Video - conquistou as estatuetas de melhor filme, direção (Daniel Kwan e Daniel Scheinert), atriz (Michelle Yeoh), ator coadjuvante (Ke Huy Quan), atriz coadjuvante (Jamie Lee Curtis) e roteiro original (dos próprios cineastas). Também ganhou em montagem.
- Dedico às mamães do mundo, especificamente minha mãe e meu pai: obrigado por não esmagar minha criatividade quando eu estava fazendo filmes de terror realmente perturbadores ou filmes de comédia realmente pervertidos ou me vestindo de travesti quando criança, o que é uma ameaça para ninguém! - disse Scheinert, 35 anos.
- Existe grandeza em cada pessoa. Se você tem um gênio esperando para entrar em erupção, você só precisa encontrar as pessoas certas para desbloqueá-lo - falou Kwan, 35, que, com Scheinert, é a terceira dupla a ganhar os Oscar de filme e direção, após Robert Wise e Jerome Robbins, por Amor, Sublime Amor (1961), e os irmãos Ethan e Joel Coen, por Onde os Fracos Não Têm Vez (2007).
Em "segundo lugar", ficou Nada de Novo no Front, que deu à Alemanha seu quarto Oscar internacional e venceu ainda em fotografia, design de produção e música. Cinco dos 10 candidatos a melhor filme não ganharam nada: Os Banshees de Inisherin (nove indicações), Elvis (oito), Os Fabelmans (sete), TÁR (seis) e Triângulo da Tristeza (três). Entre Mulheres (roteiro adaptado), Top Gun: Maverick (som) e Avatar: O Caminho da Água (efeitos visuais) repetiram os prêmios dos sindicatos das categorias. Sem reviravoltas, o Oscar respeitou rigorosamente o limite de três horas e meia. Ninguém se alongou nos discursos, ninguém quebrou protocolo.
Estreantes
Na verdade, até que houve surpresas no Teatro Dolby, em Los Angeles. Pela primeira vez desde 1961, o tapete vermelho não foi vermelho, mas champagne. E contrariando uma antiga tradição, o primeiro prêmio não foi o de ator coadjuvante, mas o de animação. Que só ratificou o favoritismo de Pinóquio de Guillermo Del Toro. Depois, antes de Navalny também confirmar nos documentários, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo ergueu dois troféus.
- Minha mãe tem 84 anos e está em casa assistindo. Mãe, eu acabei de ganhar um Oscar! - chorou Ke Huy Quan, 51 anos, astro mirim de Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984) e Os Goonies (1985) que já havia desistido de atuar, por causa dos papéis estereotipados.
- Eu sei que parece que estou aqui sozinha, mas não estou. Eu sou centenas de pessoas - disse Jamie Lee Curtis, 64.
Ambos concorriam pela primeira vez, assim como o melhor ator e a melhor atriz: Brendan Fraser, 54, por A Baleia, e Michelle Yeoh, 60, que, por TTLMT, se tornou a primeira artista não branca a conquistar esse Oscar, 21 anos após o triunfo de Halle Berry, por A Última Ceia. Nascida na Malásia e vista em 007: O Amanhã Nunca Morre (1997), O Tigre e o Dragão (2000), Memórias de uma Gueixa (2005) e Podres de Ricos (2018), Yeoh mencionou a sua etnia e a sua idade:
- Para todos os meninos e meninas que se parecem comigo e estão assistindo a esta noite, este é um farol de esperança e possibilidades. E senhoras, não deixem ninguém dizer que já passaram do seu auge.
As premiações prévias haviam pavimentado o rumo para os Daniels. TTLMT foi o melhor do ano pela Associação dos Produtores dos EUA, pelo Sindicato dos Atores e pelo Sindicato dos Diretores, tornando-se o 10º filme a conquistar o "triplo cinturão": PGA, SAG e DGA. Dos nove anteriores, oito haviam repetido o triunfo no Oscar.
O currículo de vitórias incluía o Sindicato dos Roteiristas, o Critics? Choice e o Independent Spirit, para produções de baixo orçamento. A indústria, a crítica e também o público (com US$ 106,7 milhões, é a maior bilheteria da produtora independente A24) amaram TTLMT porque TTLMT ama a indústria, a crítica e também o público.
Trata-se de uma coleção de citações cinematográficas. Pode-se, por exemplo, enxergar Matrix (1999) na trama sobre a imigrante chinesa que descobre sua existência em infinitos universos paralelos e precisa acessar experiências e habilidades (incluindo o kung fu, como Neo) de suas contrapartes para combater a ameaça de um ser maligno. Já a pochete que vira arma nas mãos do seu marido é claramente uma alusão ao cinto com ventosa de Quan em Os Goonies.
Algumas referências são explícitas, como as paródias de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Ratatouille (2007). Outras são para cinéfilos, como a piada com um projecionista que alude a Buster Keaton em Bancando o Águia (1924) ou o exercício de metalinguagem ligado à animação japonesa Paprika (2006). Aliás, os Daniels têm o mérito de não se limitarem a Hollywood: a mais bela e surpreendente homenagem é a Amor à Flor da Pele (2000), filme de Wong Kar-wai sobre o romance não consumado entre dois vizinhos cujos cônjuges estão tendo um caso, na Hong Kong dos anos 1960.
Mas as bacanices e as maluquices (como a realidade na qual as pessoas têm salsichas no lugar dos dedos, a conversa filosófica entre duas rochas à beira de um penhasco e o uso de um dildo anal em impressionantes cenas de ação) não escondem o fato de que este é um filme meio meloso - pense em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) ou Divertida Mente (2015), mas com bem menos ressonância; talvez com mais embalagem do que conteúdo.
A mistura de ação, fantasia, ficção científica e humor dá apenas uma roupagem extravagante para uma série de situações vistas antes. Fazendo jus ao título, TTLMT é, ao mesmo tempo, um novo derivado de Matrix, uma comédia familiar agridoce, uma história de imigrantes que lutam por um lugar ao sol, um drama sobre as complicadas relações entre mãe e filha, uma jornada interior por nossos sonhos e nossas frustrações.
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