sexta-feira, 10 de março de 2023


10 DE MARÇO DE 2023
OPINIÃO DA RBS

OMISSÃO REPROVÁVEL

Foi reprovável a postura do governo brasileiro de não aderir a uma declaração conjunta de mais de 50 países que denunciou crimes e arbitrariedades na Nicarágua, comandada com mão de ferro por Daniel Ortega. A posição foi apresentada na sexta-feira passada em reunião do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e teve a concordância, por exemplo, de Chile e Colômbia, dois países sul-americanos hoje presididos por líderes de esquerda.

Com a posição, o governo Luiz Inácio Lula da Silva, lamentavelmente, outra vez demonstrou dificuldade em censurar autocracias e ditaduras que tenham linha ideológica semelhante a ideias anacrônicas ainda defendidas por membros do Partido dos Trabalhadores (PT), casos de Venezuela e Cuba. Deve-se recordar que a união de forças responsável por levar Lula ao poder pela terceira vez, pela via do voto, teve a salvaguarda da democracia como um dos principais apelos. O infame 8 de janeiro mostrou que não eram temores infundados. Assim, é preciso relembrar a obviedade de que a Nicarágua comandada por Ortega não é uma democracia sob nenhum aspecto.

Governos autocratas e violências contra a população e opositores devem ser sempre condenados, filiem-se dirigentes dessas nações à esquerda ou à direita. A declaração conjunta na ONU, alicerçada em pareceres de peritos ligados à organização, cita violações generalizadas dos direitos humanos equivalentes a crimes contra a humanidade cometidas pela administração da Nicarágua contra civis por razões políticas. Os abusos apontados incluem execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, torturas e deportações do país. São violações facilitadas, apontou a investigação, pela instrumentalização do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, inclusive o eleitoral.

Após a péssima repercussão da negativa de se somar à posição conjunta apresentada na ONU, o governo brasileiro divulgou nesta semana documento em que diz acompanhar a situação na Nicarágua e demonstra preocupação "com alegações de graves violações de direitos humanos e de restrições ao espaço democrático naquele país". Também se colocou à disposição para receber cidadãos nicaraguenses expulsos, mas novamente se esquivou de uma condenação contundente à tirania e à barbárie. Não é crível a justificativa do Itamaraty de que elevar a pressão contra a Nicarágua poderia minar canais de diálogo. Ortega vem em uma escalada de violências desde a sua volta ao poder, em 2007, e nenhuma contemporização ou chamamento à moderação até agora deu resultados.

O Brasil vem sendo saudado em fóruns internacionais por romper o isolamento e se recolocar no tabuleiro das discussões multilaterais, reassumindo protagonismo em temas ambientais. De forma ambiciosa, também tenta contribuir na busca pela paz no Leste Europeu. Mas, para ser coerente e conseguir posicionar-se de fato como um ator diplomático relevante, será preciso não ter visões contraditórias em temas como direitos humanos e defesa da democracia, silenciando e se omitindo se o acusado de violações for um antigo parceiro ideológico. 

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