O caminho da transformação da economia de Passo Fundo
Sexto PIB do Estado e quarto em geração de renda, município chega a 2023 como referência em desenvolvimento
Um caminho ancestral, margeado pelas nascentes de cinco bacias hidrográficas e trilhado por indígenas, jesuítas, bandeirantes e tropeiros, transformou-se em um dos mais prósperos municípios gaúchos. Nascido ao redor da vereda secular aberta no mato, Passo Fundo chega a 2023 como referência em diversificação produtiva e polo regional para cerca de 1 milhão de habitantes do Planalto Médio, no norte do RS.
Com PIB de R$ 10 bilhões, o município é a sexta economia do Estado e o quarto em geração de empregos. O desenvolvimento é assentado no agronegócio da região, com preponderância no plantio de soja, mas deriva sobretudo de matriz produtiva que complementa a tradicional tríade indústria, comércio e serviços com sofisticados complexos de saúde e educação.
Dessa forma, a produção agrícola espraiada nos 83 municípios do entorno atrai os lucros obtidos nas lavouras, além de empresas e trabalhadores dos mais variados setores. Não por acaso, foi em Passo Fundo que surgiram ou ganharam gigantismo empreendimentos que hoje ostentam faturamento bilionário, como a rede de farmácias São João, a BSBios, maior produtora de biodiesel do Brasil, e a desenvolvedora de softwares Compass UOL.
- É essa economia diversificada que dá robustez e nos faz atravessar melhor as crises que afetam os demais municípios. A cidade está sendo atrativa para as pessoas e para as empresas, gerando migração na busca por oportunidades de emprego e de renda - comenta o prefeito Pedro Almeida (PSD).
De fato, enquanto cerca de 250 municípios gaúchos registraram queda na população na prévia do Censo 2022, Passo Fundo teve alta de 17%, ganhando mais 30 mil habitantes em relação a 2010. A estimativa atual aponta para 217.240 moradores, algo em torno de 25% de toda a região.
A migração e o desempenho econômico incrementaram a construção civil, fazendo de Passo Fundo o terceiro maior mercado imobiliário do Estado, só atrás de Caxias do Sul e Porto Alegre. Em 2022, foram R$ 521 milhões em vendas de imóveis, com avanço de 22,5% em relação a 2021. Há novos condomínios sendo construídos, bem como o mais alto prédio residencial do RS, com 137 metros, 40 andares e previsão de entrega em maio de 2025.
A expansão da construção civil reflete a compleição econômica do município e a vocação para aglutinar a pujança do norte gaúcho. Segundo dados coletados pelo economista Ely Matos, pesquisador do Data Social e professor da Escola de Negócios da PUCRS, 99% do valor bruto criado em Passo Fundo vem da indústria, do comércio e dos serviços, ante 1% do agronegócio. Por outro lado, em todo o Planalto Médio, a produção primária responde por 16% da riqueza.
A vizinha Nova Alvorada, por exemplo, é a terceira cidade mais rica do país, conforme recente levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV). O município tem 32% da produção originada na terra, gerando renda média de R$ 6.150 a cada um dos seus 3.698 moradores. Mas é em Passo Fundo, a 66 quilômetros de Nova Alvorada, onde ocorre a simbiose entre o dinheiro que brota do campo e os negócios que nascem na urbe.
- Nos municípios vizinhos, o agronegócio é muito mais forte, muito mais representativo no PIB de cada cidade. Mas aqui estão as agroindústrias, o grande comércio varejista, os prestadores de serviços, as universidades, os hospitais. Então, os produtores investem aqui, os filhos vêm estudar, a família procura um médico. Isso faz de Passo Fundo o motor econômico de uma região que já é próspera - diz o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Diorges Oliveira.
Até os anos 1990, a economia de Passo Fundo não diferia da matriz dos demais municípios. A mudança começou com o crescimento vertiginoso do mercado de soja, alterando a paisagem rural antes delineada por lavouras de trigo. O incremento financeiro levou o município a investir na industrialização como forma de agregar valor ao ouro verde que surgia do solo. Atualmente, há 924 indústrias em atividade em Passo Fundo, empregando 12.341 pessoas, entre elas gigantes do setor alimentício como JBS, Cargill, Amaggi e Italac.
- A cidade mudou. Além do agronegócio, que se fortaleceu, a indústria e os serviços trouxeram desenvolvimento, impulsionando toda cadeia produtiva e fazendo o dinheiro girar o ano inteiro. Daí em diante que o PIB de Passo Fundo melhorou bastante - diz o empresário Antônio Roso, dono da Metasa, indústria metalmecânica com sede em Marau, e de outras 11 empresas na região, acumulando faturamento anual de R$ 1 bilhão.
Impulso
O desenvolvimento econômico impulsionou ainda dois outros setores: a saúde e a educação. São sete instituições de Ensino Superior, 26 colégios de Ensino Médio e 79 de Ensino Fundamental. Uma escola de música garimpa crianças e adolescentes com vocação para as artes e uma escola das profissões forma mão de obra para suprir demandas das empresas locais.
Com três faculdades de Medicina, Passo Fundo formou robusto polo de saúde, com oito hospitais e prontos-socorros, 40 postos de saúde e 174 policlínicas. São 6,48 médicos e 5,36 leitos por 100 mil habitantes, mais do que o dobro do RS - 2,61 e 2,58, respectivamente.
- A cidade quase quebrou nos anos 1990, um período de transição para empresas familiares que não conseguiram fazer sucessão e enfrentaram muitas dificuldades. A lógica era ir embora daqui. Mas surgiu uma nova geração de empresários, gente que acreditou, investiu e venceu. Hoje, o ambiente é muito mais otimista, a cidade atrai e retém os jovens - diz Eduardo Capellari, sócio-fundador da Atitus, grupo educacional com 18 cursos de graduação e 6 mil alunos.
Parte do impulso econômico é creditado à localização privilegiada. Situado num ponto central do norte gaúcho, o município facilita o desembarque e a distribuição de mercadorias. Também abriga o segundo maior aeroporto do Estado, com cinco voos diários para São Paulo e capacidade de transportar 300 mil passageiros ao ano.
A trilha indígena ao redor da qual a cidade surgiu não só se tornou a principal avenida do município como deu origem à BR-285, um dos corredores bioceânicos do Mercosul, aproximando o porto chileno de Antofagasta, no Pacífico, do porto catarinense de Imbituba, no Atlântico. A logística primitiva das tribos originárias ganhou modernidade e tecnologia, sem abdicar da essência natural de servir ao bem-estar das pessoas.
- Passo Fundo começou como caminho e virou entreposto comercial, mas sempre fez dessas conexões a sua eterna vocação. É um fluxo permanente que oxigena a cidade - diz o historiador Djiovan Carvalho, presidente do Instituto Histórico de Passo Fundo.
FÁBIO SCHAFFNER
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