domingo, 26 de março de 2023


25 DE MARÇO DE 2023
CRISTINA BONORINO

SIGA O DINHEIRO

O governador atual do Estado da Flórida, Ron DeSantis, tem ficado famoso por promover uma agenda política antivacina e antiprogresso. Ele é hoje um dos favoritos do Partido Republicano para disputar a Presidência dos EUA na próxima eleição. Recentemente, ele discursou sobre uma lista que o Departamento de Educação da Flórida divulgou proibindo alguns livros da literatura americana nas escolas. Detalhe: a lista - feita pelo Departamento de Educação - tinha diversos erros de ortografia. Eles erraram ao escrever em inglês as palavras ?ninth" e "twelfth" (nono e décimo segundo). Não uma vez, mas todas as vezes que aparecem no texto.

O simbolismo e a ironia do fato não podem ser ignorados. E a conclusão óbvia é que não ler tem seus efeitos colaterais - que certamente se perpetuarão nas crianças educadas na Flórida.

Sempre falei que tudo o que fazemos tem implicações políticas, principalmente em educação e ciência, minhas áreas de atuação. Mas a politização desses temas ajuda a quem? Certamente não a você que precisa decidir em que escola colocar seu filho, ou a que pediatra levar. Quando a pessoa, seja ela um educador, um governador ou um médico, ignora ciência ou educação, esses efeitos adversos têm consequências tão ou mais graves do que qualquer medicamento. Quando um médico cita ou promove desinformação sobre vacinas, ele está não apenas se autopromovendo, mas perpetuando a ignorância que permite essa autopromoção.

Um médico que cita uma carta no Lancet como se fosse um estudo publicado no Lancet está mentindo. Uma carta é um comentário individual. O Lancet e outras revistas científicas publicam cartas para incentivar debates - essas cartas não são fatos. A produção e a interpretação de evidências cientificas é um longo, criterioso e dispendioso trabalho que não pode ser confundido com opinião. A Purdue Pharma, produtora do opioide Oxycontin, mentiu por anos citando um "estudo" do New England Journal of Medicine que diria que a droga não viciava. O "estudo" era um comentário de seis linhas, uma opinião pessoal. A empresa é hoje reconhecida como o epicentro da epidemia de opioides e pagou a maior multa da história das farmacêuticas, mais de US$ 600 milhões em reparações.

Que não trazem de volta as pessoas que morreram. Todas as evidências cientificas de anos de pesquisa mostram que, sim, opioide vicia. Mas a empresa só foi responsabilizada depois de promover muita desinformação - e ganhar mais de US$ 10 bilhões com a droga.

O ganho para quem faz desinformação nunca é "apenas" político. Não é direita versus esquerda. É quem ganha dinheiro com isso. Às custas de quem deixa de se educar por opção. Que fecha a porta para informação que levou anos para se solidificar, em razão de defender uma proposta que parece ser política. Antes de espalhar na rede social, siga o dinheiro.

CRISTINA BONORINO

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