25 DE MARÇO DE 2023
FRANCISCO MARSHALL
MORALISTAS
A histórica ambição de poder e controle das religiões criou estruturas de comportamento e narrativa que persistem e modelam outros discursos aparentemente laicos e modernos, porém cativos de antiga síndrome ideológica típica das religiões e, mais ainda, de líderes religiosos. Trata-se de consagrar uma fonte de autoridade superior, geralmente no livro, no xamã ou em pacto teológico, para garantir o exercício de variados atos de poder.
Nesses casos, passa-se a impor ao outro e à sociedade um parâmetro que se pretende superior e hegemônico e a querer controlar corpos e ideias, infundindo vergonha e culpa, mutilando ou matando quem discorda da norma moral que se quer impor. Será que moralistas conseguiriam se reconhecer nesse papel violador, e em sua relação com a mais tradicional forma de poder e controle, a religião, seus discursos e estratégias?
Uma das finalidades do discurso moralista é suprimir o debate para imprimir sua regra perfeita. Promotor(a) da heteronomia, a norma outorgada por outro, o(a) moralista repele a democracia, a dialética e a troca de opiniões e sensibilidades, necessárias para se construir um saber harmônico, visando o bem comum. Para moralistas, o saber está pronto, e deve-se controlar ou impedir o debate.
Para isso, pode-se, naturalmente, usar as estratégias dramáticas do envergonhamento, chamar o outro de analfabeto, delinquente ou imoral, e, em casos extremos, fazer o divergente arder em brasas, como ocorreu com o sábio Giordano Bruno em 1600, no Campo dei Fiori, em Roma. Moralistas têm missão sagrada, ungida pela verdade, e autoindultam-se como heróis e heroínas virtuosos(as), em coro de apoio mútuo. Hereges que se calem, e a resposta nunca virá com argumentos, mas com reprimendas morais, ditas com autoridade doutoral.
As conquistas éticas substantivas são resultado do amadurecimento cultural, individual e coletivo, e decorrem de opções realizadas com autonomia. Desde o decálogo judaico e mesmo antes, líderes religiosos querem impor suas normas, baseados em prepotência patriarcal, com moralismo cerceador. Mais recentemente, desde os anos 1980, renovou-se o clamor por melhora ética da humanidade, superando-se preconceitos inadmissíveis quanto às identidades e opções de grupos expostos a violências vis.
O movimento dito politicamente correto, deplorado pela direita conservadora, nada mais é do que mudança ética necessária e bela. Tão triste quanto o retrocesso dessas conquistas, que vimos na era fascista, é vermos hoje uma nova geração com clamor identitário, herdeira de lutas emancipatórias, equiparar-se aos censores reacionários, inimigos da liberdade, em estratégias moralistas patéticas e antidemocráticas. Ademais, todos podemos e devemos falar sobre as questões éticas, que são do interesse comum. A garantia do lugar de fala, legítima quando promove, é tirânica quando apregoa que se calem outras vozes e lugares.
Moralistas que se espelhem entre seus pares, censores e cafonas, e nós, democratas, conversemos todos com coragem e liberdade sobre tudo o que nos importa.
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