Febre do ouro
Suponhamos, apenas para efeito de imaginação, a seguinte situação fictícia.
Uma ditadura, a Nicarágua, entrega a um ministro próximo a Lula, ex-sindicalista como ele, dois finos estojos com presentes - um destinado a Janja e outro ao próprio presidente. O ministro e um assessor, também ex-sindicalista, desembarcam no Brasil com as caixas na moita, mas um diligente funcionário da Receita flagra o mimo reluzente à primeira-dama. O ministro intervém, inutilmente: joias no valor de R$ 16,5 milhões, uma mega-sena, ficam retidas na aduana.
Seriam liberadas logo se oficialmente destinadas ao patrimônio da nação, como manda a lei. Mas não. Lula aciona o aparelho de Estado oito vezes para tentar recobrar as joias. O secretário da Receita que não dobra os subordinados é substituído. No apagar das luzes do governo, um avião da FAB é despachado a Guarulhos tendo a bordo apenas um militar imbuído da missão de resgatar o regalo. Lula jura de pé junto que não sabe de presente nenhum, mas dias depois se descobre que ele entesourou o outro agrado milionário que passara despercebido pela alfândega.
Se trocados os personagens, como nos parágrafos acima, o bolsonarismo estaria fazendo chover fogo dos céus sobre Lula. Agora, não. O problema de fundo no episódio das joias não é confirmar se Jair Bolsonaro cometeu crimes em série, o que está sendo devidamente apurado. A mais recente degradação política brasileira é que bolsões cegos pela paixão ideológica reagem com justificativas de que "com o outro era pior" e já não distinguem o que é moralmente aceitável ou não.
Pelos padrões éticos exigidos de qualquer funcionário público ou privado, presentes que não sejam meros suvenires deveriam ser considerados gentilezas ao cargo, jamais à pessoa. Fora disso, é suborno em potencial. No serviço público, o que supera valores simbólicos deve ser destinado à arca pública. Na iniciativa privada, presentes do gênero devem ser rejeitados, devolvidos ou doados com pleno conhecimento da cadeia de comando interna.
Sem noção da liturgia do cargo, cujo princípio basilar é a impessoalidade, Bolsonaro pisou sobre comezinhos princípios morais de um ocupante da Presidência. Mas só se surpreendeu quem desconhece um relatório de 1983 da Diretoria de Cadastro e Avaliação do Exército sobre o então tenente Bolsonaro, que tentava a sorte no garimpo em paralelo à carreira militar. Pela insistência em bamburrar, seus superiores na caserna identificavam no tenente "demonstrações de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente". A febre do ouro, como se vê, não tem cura.
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