06 de setembro de 2015 | N° 18286
CARPINEJAR
Ele morreu me dando a mão
Sou um mensageiro, um carteiro à paisana. Desde pequeno, sinto que psicografo os vivos para os vivos. Mas não imaginava que pudesse estar envolvido seriamente num outro casamento.
Descobri que o aposentado Luiz Fernando, 60 anos, conhecido como Beliche pela família, morreu segurando o recorte de minha crônica “O amor depois do divórcio”.
Ele dormiu numa quinta-feira, em 4 de abril de 2013, e não acordou mais, devido a uma parada cardíaca.
Durante um mês, não tirou o texto publicado em Zero Hora (17/3/2013) dos seus bolsos. Transportava da calça ao casaco. Virou sua segunda identidade: amassada, dobrada, com a tinta curtida do braile da releitura.
Não largava a proximidade com aquelas palavras, que se transformaram em seu pingente de São Jorge, seu escapulário de papel, cortado bruscamente com as próprias mãos da revista Donna.
Entregaria a crônica para sua ex-mulher Ana Maria. Estavam separados havia cinco meses, depois de 15 anos dividindo a mesma casa.
Angustiado com o fim da relação, porém esperançoso de que isso não significava o fim do amor, naquela confusão de não prever o que virá e buscando corrigir os seus erros.
Ele decidira não continuar distante da paixão de sua vida, apesar das brigas e dos desentendimentos, só que faleceu a uma semana da audiência de divórcio.
Luiz Fernando acalentava o sonho de ler a crônica em voz alta na sessão do Juizado. Planejara uma reaproximação maiúscula, contundente, definitiva. Seria sua forma de pedir desculpas e assinalar o quanto aprendera com a distância e o sofrimento.
Vinha decorando o meu texto, memorizando letra por letra, vírgula por vírgula, sendo dono da reflexão mais do que eu já fora um dia:
“Viram que o príncipe se vestia mal, e o sapo coaxava bonito. Viram que não existe demônio ou santo no amor. Não existe certo ou errado, existe o amor e ponto. Este amor provisório, inconstante, inacabado e vivo.
Este amor pano de prato, não toalha de mesa, mas que serve para secar a louça e as lágrimas. Quem era ciumento retorna equilibrado, quem era indiferente regressa atento”.
Ele nunca declamou a crônica para sua ex-esposa, nunca expressou o quanto amargava a ausência de sua companheira, nunca admitiu a saudade feroz e inimiga que consumia a sua paciência.
O que ele não desconfiava é que Ana Maria também queria se reconciliar.
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