sexta-feira, 4 de setembro de 2015


04 de setembro de 2015 | N° 18284 
MARCOS PIANGERS

Um menino morto na praia


Vai acontecer de novo. Vai aparecer no jornal, nos sites de notícia. Vão avisar que as imagens são fortes. O menino sírio morto na praia da Turquia, com o rosto enterrado na areia. As ondas batendo em seu pequeno corpo. Cartunistas farão desenhos em homenagem. Alguém vai compartilhar na sua timeline. Você vai sentir um nó na garganta.

Vai acontecer de novo, como sempre acontece. Vai estar na retrospectiva de fim de ano. Vamos lembrar e lamentar. Vamos sentir vergonha de ser gente. De termos parte naquilo. Brindaremos a chegada do novo ano, abraçaremos nossos queridos. Ano novo, vida nova. Que venham as tragédias de 2016.

Vai acontecer de novo, e de novo. Pra sempre, vai acontecer. A culpa é de um governo violento, de uma organização geopolítica sectária. A culpa é de um pai irresponsável. A culpa é nossa, porque somos racistas também. Não gostamos de imigrantes. Não gostamos de forasteiros. Cada um com seus problemas.

Vai acontecer de novo. Vamos compartilhar textos, fotos, desenhos. Vamos chorar as mortes. Vamos tocar a vida. Vamos trocar de carro. Vamos cuidar dos nossos. Vamos fazer a nossa parte. Vamos mudar de assunto. Bola pra frente.

Vai acontecer de novo, em outro lugar, com outra criança. Não quero que aconteça, mas sei que vai. E vamos lamentar. E discutir e escrever sobre. E vamos prestar homenagens. Esta é a minha pra você, garotinho. Não quero esquecer de você. Quero ser melhor, por sua causa. Cuidar dos outros, tratar bem a todos. Ajudar os que precisam. Dividir.

Não quero que aconteça de novo. Não pode acontecer de novo. Não vai.

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