quarta-feira, 2 de setembro de 2015


02 de setembro de 2015 | N° 18282 
MARTHA MEDEIROS

Facebook post-mortem


Quando o videocassete surgiu, devo ter sido a última pessoa a adquiri-lo. Depois fui a última a ter celular. A última a ter um smartphone. Não tenho tevê de LED até hoje – mas como preciso acessar o Netflix para assistir a Narcos, a tevê nova chegará nesta semana. Custo a sentir necessidade de ter novos brinquedinhos. Ou seja, não é por inadimplência, sou boca aberta mesmo. Quatro ou cinco passos atrasada em relação à humanidade, mas sempre chego lá. Na lanterna, mas chego.

Só que agora ficou puxado. Soube, através de uma matéria publicada aqui na Zero Hora, da existência de um site que continua atualizando o nosso perfil no Facebook depois que a gente morre (ah, fui a última a entrar no Facebook, não faz nem um ano, quando ele já estava obsoleto...).

Pois bem. Meses atrás, ouvi dizer que um conhecido meu havia falecido. Resolvi checar o Face dele para ver se era verdade, e vi que era, pois havia centenas de mensagens de pêsames. Os amigos todos “falavam” com ele. “Brother, você foi um exemplo.” “Mano, aquela nossa viagem ao Havaí vai ficar na lembrança para sempre.” “Amor, nunca vou te esquecer.” Entendo, é uma espécie de memorial. As pessoas o estão homenageando. Na hora, pensei: uma pena que ele não possa ler nada disso.

Mas hoje ele poderia ao menos fingir que leu, já que existe esse site miraculoso chamado Eter9, que permite que um robô armazene todas as informações sobre o ex-usuário (traços de personalidade, preferências, humor) e, depois de sua passagem, continue atualizando seu perfil conforme seus gostos e inclusive curtindo os comentários dos amigos. Se essa maravilha tecnológica já estivesse em uso quando ele faleceu, o cara poderia ter postado: “Muito obrigado, gente. Aqui faz frio, tragam um casaco”.

Talvez eu venha a me render a mais esse avanço, mas, por ora, considero apavorante uma alma penada manter contato através do Face. Sessão espírita online? Ainda não estou preparada para tanta modernidade. O máximo que engulo é o Facebook congelar alguns perfis a pedido de herdeiros, a fim de que eles possam lembrar do ente querido depois que ele se foi – mas até isso me perturba. Na mesma matéria, entrevistaram uma moça que mata a saudade da mãe através da rede. Ela declarou: 

“Se eu apagar o perfil da minha mãe, é como se ela não tivesse existido”. Antigamente, os cartórios registravam nosso nascimento e, a partir dali, tudo o que viéssemos a fazer, sentir, manifestar e construir seria suficiente para que fôssemos lembrados por quem nos amou. Já não basta. Agora, filhos podem esquecer os finados pais caso não vasculhem, de vez em quando, a página que eles deixaram. Quase posso imaginar minhas filhas fazendo o mesmo.

O que me resta? Torcer para que o obsoleto Facebook morra antes de mim.

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