sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015


06 de fevereiro de 2015 | N° 18065
OLHAR GLOBAL | Luiz Antônio Araujo

Face risonha

Encomendado pelo Kremlin e executado pelo escultor russo-georgiano Zurab Tseretelli, foi inaugurado ontem o monumento ao 70º aniversário da Conferência de Yalta, realizada entre 4 e 11 de fevereiro no balneário da Crimeia imortalizado por Tolstói e Tchekhov.

A obra, baseada na célebre foto dos Três Grandes da II Guerra Mundial, foi esculpida em bronze, tem mais de três metros de altura e pesa 10 toneladas. Não é uma casualidade que o monumento tenha sido aberto ao público no momento em que os Estados Unidos consideram a possibilidade de entregar armas letais a um combalido exército ucraniano.

A cúpula de Yalta marcou o último momento em que os Estados Unidos estiveram firmemente empenhados, pela mão do presidente Franklin D. Roosevelt, em apaziguar as já explícitas pretensões territoriais do líder soviético Jozef Stalin. Foi em Yalta que Roosevelt, numa descontraída conversa lateral, chamou o ditador de “Tio Joe” (Uncle Joe), numa tirada abraçada com entusiasmo pela mídia americana que ajudou a dourar a aliança americano-soviética perante o público ocidental. Consta que Stalin, acostumado a manter frieza diante de outros chefes de Estado, ficou deliciado e deu uma sonora gargalhada.

O episódio irritou o terceiro retratado no monumento de Tseretelli, Winston Churchill, o premier britânico que, pouco mais de um ano depois, denunciaria a descida de uma “cortina de ferro” (a expressão era de Joseph Goebbels) sobre metade da Europa.


Passados 70 anos, sabe-se que Yalta foi a face risonha daquilo que o historiador americano Timothy Snyder chamou de “Terra Sangrenta”. Quando a foto hoje consagrada em bronze foi tirada, milhões de europeus que haviam sobrevivido à guerra estavam sendo tangidos para longe de seus lares e pátrias naquilo que Stalin gostava de chamar de “troca de populações”. É por isso que os tártaros da Crimeia, cujos antepassados foram deportados para a Ásia Central pelo regime soviético, protestaram contra a inauguração do monumento de Yalta.

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