segunda-feira, 5 de janeiro de 2015


05 de janeiro de 2015 | N° 18033
L. F. VERISSIMO

O resgate

A palavra mais bonita da língua portuguesa é “sobrancelha”, a mais feia é “seborreia” e a mais esdrúxula é “esdrúxulo”. Fui me informar de onde vinha a palavra “esdrúxulo”, para podermos um dia mandá-la de volta, e descobri que sua origem é o italiano “sdrucciola”, ou “con l´accento sulla terz´ultima sillaba”. Uma “parola sdrucciola” é uma proparoxítona e um “verso sdrucciolo” é um verso que termina numa proparoxítona.

Era esse o sentido da palavra “esdrúxulo” no português também, até se darem conta de que, como acontece com muitas palavras, ela estava sendo mal aproveitada. Seu sentido real não era o seu sentido correto. (Outro exemplo disso é “plúmbeo”, que quer dizer, oficialmente, relacionado com o chumbo, mas é obviamente o som de alguma coisa caindo na água).

E você não pode ter uma palavra como “esdrúxula” no vocabulário sem usá-la para descrever coisas tão, assim, esdrúxulas que nenhuma outra palavra as descreveria melhor. Ainda mais que temos “proparoxítona” (apesar de parecer nome de remédio), um nome perfeitamente adequado para uma palavra com o acento na antepenúltima sílaba. Livre do seu sentido antigo, “esdrúxulo” transformou-se em sinônimo de extrema esquisitice. Mas, mesmo com seu novo significado, a palavra caiu em desuso, pela absoluta falta de oportunidades para empregá-la. Foi sendo cada vez menos usada entre nós. Até surgir o segundo ministério da Dilma.

Se não tiver nenhuma outra consequência na vida nacional, o segundo ministério da Dilma terá servido para recuperar o uso da palavra “esdrúxulo” no Brasil. Seu sentido real foi resgatado.


Só “esdrúxulo” descreve o sorteio de cargos para assegurar alianças inexplicáveis, as escolhas na área econômica feitas especificamente para obedecer aos bancos e alegrar o “mercado” (no momento em que, na Europa martirizada pelos bancos e pelo mercado, “responsabilidade fiscal” é cada vez mais desculpa para irresponsabilidade social e “austeridade” vira palavrão) – sem falar na Kátia Abreu cuidando da Agricultura e no filho do Jader cuidando dos peixes. “Estranho” é um adjetivo inadequado para o segundo ministério da Dilma. “Maluco” é pouco. “Inacreditável” também. “Esdrúxulo” é a palavra. Não tem outra.

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