03
de janeiro de 2015 | N° 18031
CAROL BENSIMON
Chiado
2014
foi o ano do qual as pessoas adoraram reclamar no Facebook. Foi o ano que não
terminava, o ano de saber demais a respeito das opiniões políticas daquele
amigo de infância, o ano de escândalos de corrupção, de intolerância declarada,
humilhação futebolística, grandes acidentes aéreos. 2014 foi também o ano em
que a venda de discos de vinil na Grã-Bretanha atingiu o maior patamar desde
1996, o que parece um dado irrelevante diante do aquecimento global, do
ministério da Dilma e da crise hídrica de São Paulo, mas não se engane: o
crescente interesse pelos bolachões diz um bocado sobre o mundo de hoje e a
chamada geração Y. Em 2014, eu comprei uma vitrola.
Não
há nenhuma lembrança de infância ou juventude que justifique tal coisa. Sou uma
dessas filhas frustradas da década de 80. Isso quer dizer que nasci na fatia da
história em que os hippies foram trocados pelos yuppies (claro que prefiro os
hippies), os sonhos passaram a ter cifras e as mulheres faziam permanente (o
processo tinha um cheiro ruim). Quando tive idade para ouvir música, me
mandaram direto para as fitas K7 e os CDs. Nunca me ensinaram a pousar a agulha
nas ranhuras de um disco.
A
volta do vinil é provavelmente um ato de resistência que, como todo o “desvio”
hoje, tornou-se em pouco tempo uma tendência de consumo. E parece mais ou menos
simples entender o que esse ato significa: digamos que uma parcela de nós fica
meio incomodada com a velocidade das coisas, a imaterialidade da música digital
e a sensação de que tudo está ao nosso alcance o tempo todo.
Há
alguma beleza em percorrer capas em uma loja de discos. Há alguma beleza em
observar um objeto que gira para fazer Bob Dylan cantar. A época em que
tínhamos tempo de decorar letras – hoje parece que não ouvimos nenhuma canção o
suficiente para isso – também parece bela, imperfeita, cheia de significado. Em
1994, memorizei a saga inteira de Faroeste Caboclo, do Legião Urbana. Todas as
meninas da turma fizeram isso. Pule alguns anos. No fim da década de 90, os
amigos que sabiam tocar violão tinham um repertório restrito, e a gente não se
importava em repetir canções. Parece que o momento se amplificava quando
Stairway to Heaven era tocada pela enésima vez. Há alguma beleza no finito, na
insistência, no detalhe.
O
vinil provavelmente simbolize tudo isso. Em 2015, mais discos serão comprados.
Ainda vamos consumir muita música digital, porque é bom ter 5 mil canções no
bolso ou acesso imediato ao álbum de uma nova banda dinamarquesa. Mas, em
algumas noites, estaremos em nossas salas rindo, ou preocupados com o tempo que
passa, e o disco vai estar lá, rodando. Aquele disco mais uma vez. A trilha
sonora de nossas vidas. Um 2015 com música, paixão e um pouco de chiado.
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