terça-feira, 2 de dezembro de 2014


02 de dezembro de 2014 | N° 18001
MOISÉS MENDES

O avô inventado

Ninguém, nem os empreiteiros, terá o poder das avós e dos avôs neste século 21. É agora que os pais do século 20 têm a chance de se redimir.

Todos os erros, as omissões, as indiferenças e as barbeiragens com os filhos serão compensados pela atenção aos netos. Se os netos, como consequência da paparicagem, forem adultos com muitos defeitos, terão mais adiante a chance de corrigir suas falhas com seus netos.

Filhos, principalmente os que leram Freud em almanaques, podem ter problemas sérios com os pais. Não com os avós. Os avós foram protegidos dos capítulos mais cruéis das teorias psicanalíticas e são apenas coadjuvantes das tentativas de compreensão do que somos, de onde viemos e para onde vamos.

Mas avós são as nossas referências mais genuínas. Por exemplo, as magias que a Aline Bonnamain faz na cozinha do Antirrestaurante Mesa de San Miguel, na zona sul de Porto Alegre, são atribuídas à sabedoria herdada do avô Fernand Bonnamain, dono e chef do lendário Sans Souci. Aline diz: eu sou assim porque sou neta de Fernand Bonnamain. E todo mundo acredita.

O antirrestaurante de Aline e de Luiz Roberto Targa é diferente (vi no programa As Boas Coisas da Vida, do meu amigo Irineu Guarnier Filho e da Lilian Lima, na TVCOM), porque até sua localização é misteriosa. Assim como é diferente o picolé da Diletto.

Pois o picolé da Diletto diz na propaganda que é tão diferente porque o dono da marca, Leandro Scabin, herdou a ciência de fazer gelados do avô Vittorio, que veio do Vêneto para o Brasil fugindo da Segunda Guerra. E montou então a fabriqueta da Diletto em São Paulo.

Só que o avô da Aline existiu mesmo. E esse avô do homem da Diletto nunca ninguém viu. Vittorio não existiu. Leandro inventou um avô picoleteiro para glamorizar a marca. Conta na propaganda que o avô fazia picolés com frutas frescas, aproveitando até a neve. É mentira.

Enquanto Aline se orgulha de poder falar de Fernand, Leandro deve se constranger da emocionante (mas falsa) história de Vittorio nas embalagens do seu picolé.

Vittorio é um dos muitos personagens inventados pelo empreendedorismo do vale-tudo. Porque belas histórias constroem grifes, diferenciam um produto.

Além da Diletto, outras marcas que mentem – como a do suco Do Bem – foram desmascaradas por uma reportagem da jornalista Ana Luiza Leal, na revista Exame.

É preciso que alguém invente um avô para enganar os outros e ganhar dinheiro?

O delito de tentar tratar o consumidor como idiota é o menor. O pior é que esse neto matou a memória do avô verdadeiro, que se chamava Antonio e também veio da Itália, mas nunca fez picolés.

O avô Antonio foi atirado num depósito pelo marketing do picolé. O homem da Diletto desprezou seu avô de verdade para lucrar mais. Esse é o grande delito.

Que parafuso afrouxa na cabeça de quem precisa inventar um avô só para aumentar suas vendas?

Mas há um consolo nessa história. Seu Antonio já morreu e não passará pela vergonha de competir com um avô inventado.

Se estivesse vivo, poderia dizer que o homem da Diletto é um neto de mentira.

Conheço dois netos que vieram ao mundo há pouco. Heitor é o primeiro neto do poeta do Alegrete Élvio Vargas. E Julia também é a primeira neta da professora de Jornalismo da UFRGS Rosa Maria Bueno Fischer.


O avô materno de Julia foi o grande jornalista Jefferson Barros. Desejo que Heitor e Julia nunca caiam na tentação de inventar outros avós.

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