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sábado, 23 de julho de 2011
23 de julho de 2011 | N° 16770
CLÁUDIA LAITANO
Cinza e abóbora
Três motivos para escutar o novo disco do Chico Buarque (segundo uma fã incondicional):
1 - Para ouvir três lindas canções de amor
Chico Buarque está apaixonado. Sorte dela, dirá a leitora. E eu vou concordar, acrescentando: sorte nossa que esse amor deu samba – e blues e baião também. Essa Pequena, Tipo um Baião e Se Eu Soubesse (em que canta em dueto com Thaís Gulin – não por acaso, a suposta musa das novas canções) falam de um amor tardio, docemente melancólico, em que a alegria do encantamento convive com as angústias da diferença de idade:
“Meu tempo é curto, o tempo dela sobra/ Meu cabelo é cinza/ O dela é cor de abóbora/ Temo que não dure muito a nossa novela,/ Mas sou tão feliz com ela” (Essa Pequena), “Não sei para que/ Outra história de amor a essa hora/ Porém você/ Diz que está tipo a fim” (Tipo um Baião).
Outra estrofe bonita, esta sobre como o tempo passa de forma diferente conforme a idade que temos: “Feito avarento, conto os meus minutos/ Cada segundo que se esvai/ Cuidando dela/ Que anda noutro mundo/ Ela que esbanja suas horas ao vento, ai” .
2 - Para ouvir duas canções que dariam um livro
Não é mais possível ouvir um disco de Chico Buarque sem levar em conta o escritor – compre um, leve dois. Depois de um livro como Budapeste, que colocou Chico, sem favor nenhum ao compositor bem-sucedido, entre os grandes autores brasileiros contemporâneos, não dá mais para ignorar a voz literária que se impôs nos últimos anos.
Ela aparece, por exemplo, em Barafunda, quase uma trilha sonora do livro Leite Derramado, em que o narrador lida com a progressiva perda de memória: “Foi na Penha/ Não, foi na Glória/ Gravei na memória/ Mas perdi a senha/ Misturam-se os fatos/ As fotos são velhas”.
É quase um conto também a música que fecha o disco, Sinhá, parceria com João Bosco que narra a história de um negro escravo castigado por espiar a sinhá tomando banho. Chico em sua melhor forma, com João Bosco no violão.
3 - Para ouvir o verso mais malhado do ano
Nem tudo está perdido no mundo quando o verso de uma canção vira tema de debates apaixonados. A expressão “amar uma mulher sem orifício”, da música Querido Diário, a primeira do novo disco a ser divulgada na internet, no início de junho, gerou instantaneamente um turbilhão de comentários negativos.
A revista Veja chegou a qualificar o verso como “o pior da MPB do século 21” (o que, involuntariamente, deve mais ter mais ajudado do que atrapalhado a carreira do disco...). A estrofe completa segue assim: “Hoje pensei em ter religião/ De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício/ Por uma estátua ter adoração/ Amar uma mulher sem orifício”.
A mulher imaculada nada mais é do que a imagem de uma santa, símbolo da fé que o personagem lamenta nunca ter tido. Nada grave. Pensando bem, um versinho quase castiço comparado ao já clássico: “Joga pedra na Geni/ Joga bosta na Geni/ Ela é feita pra apanhar/ Ela é boa de cuspir/ Ela dá pra qualquer um!/ Maldita Geni”. É ou não é?
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Um comentário:
Achei muito interessante a sua interpretação sobre essa fase que chico atravessa. Eu admiro o Chico pela originalidade que perpassa toda sua obra. E você nesse texto, defende essa importância. Ótima contribuição à sua.
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