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segunda-feira, 4 de julho de 2011
04 de julho de 2011 | N° 16749
ARTIGOS - Antônio Britto*
Itamar, autêntico e incompreendido
Nesse domingo, seguia de táxi para Congonhas, em São Paulo. Meu destino: Juiz de Fora, para um último adeus a Itamar Franco. No caminho do aeroporto, o trânsito estava bloqueado, exatamente para a passagem do cortejo que conduzia o corpo do ex-presidente: quatro ou cinco carros oficiais, carros de imprensa e a escolta de batedores da Polícia Militar. Acabei, sem querer, me incorporando ao cortejo que atravessou parte de São Paulo em silêncio, discreto.
Na formação do seu governo, Itamar não aceitou a pressão do PMDB para que eu assumisse o Ministério das Comunicações. Deu-me a pasta da Previdência e quem me comunicou foi Ulysses Guimarães. Ligou-me para me cumprimentar e dizer que eu era ministro. (Dois dias depois, Ulysses desapareceu no mar).
– Quando, meu caro, você vai falar com a imprensa? – quis saber Ulysses.
Na mesma noite, me ligou Itamar Franco, que me deu uma única orientação: “Nós não poderemos fazer tudo, talvez não dê para fazer muito. Mas, por favor, trate os aposentados com carinho, eles estão sofrendo muito.”
Dias depois, sugeri ao presidente que as indicações para os postos do INSS nos Estados fossem técnicas e não políticas. Ele concordou, para, em seguida, me dizer:
– Britto, vamos fazer uma coisa diferente. Não diga que foi solicitação sua. Diga que é uma orientação minha. E, se alguém reclamar, mande para o Palácio.
Meses depois, com algumas questões já resolvidas na Previdência, fui chamado ao Palácio do Planalto com urgência. Ao chegar ao Palácio, o presidente mandou que entrasse logo e me deu um abraço, na frente de outras pessoas.
– Muito obrigado, muito obrigado – disse.
Na véspera, falando à noite pelo telefone com velhos amigos de Juiz de Fora, Itamar recebera de aposentados a informação de que algumas coisas começavam a mudar na Previdência.
Itamar prestava mais atenção a esses sinais do que às pesquisas, ao Brasil oficial, à mídia, especialmente a paulista, que o massacrou. Tinha a consciência de que o país apenas cresceria se desenvolvesse produtos populares, se fizesse das classes C, D e E consumidoras. Quando pressionou o setor automobilístico a lançar carros populares, disseram que estava de volta ao passado, querendo o Fusca.
Faltou sensibilidade para entender que ele estava falando do futuro. E do jeito dele, intuitivo, teimoso e uma mineirice matreira, foi ajeitando o Brasil. O marco do seu governo foi o apoio dado a Fernando Henrique e à equipe tucana de economistas. Confiou no que desconfiava e deu o apoio total, sem o qual o Plano Real sequer teria sido lançado.
Saiu do governo com índices recordes de popularidade, exemplar na ética, fortalecido pela vivência democrática e consagrado pelo Real. Incompreendido por parte das elites brasileiras, na maioria das vezes em função de suas qualidades, morreu nesse sábado como viveu. Passou por São Paulo em silêncio, teve o carinho de Minas e o respeito do Brasil.
*Jornalista, ex-governador do Rio Grande do Sul. Foi ministro da Previdência de Itamar Franco
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