sexta-feira, 7 de janeiro de 2011



07 de janeiro de 2011 | N° 16573
MOISÉS MENDES


O Rio ou a alma

Sofri por duas semanas ao imaginar o Ronaldinho se lambuzando com o hambúrguer da Célia. Em outubro, eu me divertia com um hambúrguer da barraca da Célia às três da madrugada e olhava a cobertura de Ronaldinho na Barra da Tijuca. Uma roda de samba fazia zoeira na barraca. O Rio fica acordado até tarde porque é um desperdício ir dormir e deixar aquele mar murmurando sozinho.

A barraca, no calçadão, fica bem diante da cobertura de Ronaldinho. Uma cobertura modesta, um JK perto do convés que o Romário tinha a algumas quadras dali. Quando disseram que Ronaldinho viria para o Grêmio, uns ficaram sonhando com o dia em que o encontrariam comprando Fruki e tijolinho com dona Miguelina no Súper Sul da Eduardo Prado, perto da casa dele. A contragosto, eu o imaginei na cobertura da Barra.

Dia desses, quando Grêmio, Flamengo e Palmeiras duelavam por Ronaldinho, falei com a recepcionista do hotel que fica ao lado da cobertura. Me contou que ele foi visto no terraço sem camisa. Abatido, imaginei Ronaldinho às quatro da madruga erguendo os braços e dividindo uma preguiça bem carioca com aquele marzão. Que dureza seria a vida de Ronaldinho naquela laje de luxo da Barra.

Na barraca da Célia, está escrito: carioca como você. Se fosse jogar no Flamengo, Ronaldinho poderia sair do Maracanã, atravessar a Avenida Lúcio Costa de havaianas e comer o hambúrguer da Célia com uma Heineken, como eu fiz aquela noite.

E se enfiar numa roda de samba que não se dissolve nunca. No Rio, o mais carioca dos jogadores gaúchos, mais do que Renato, e sem nem nunca ter morado no Rio, não precisaria correr atrás de rodas de samba, nem de gurias.

Da sacada do hotel onde parei, aquele ao lado da cobertura, eu vi gurias no mar às nove da manhã, às três da tarde, às duas da madruga. Era outubro, dia de semana. Na esquina, à noite, vi as sombras de moças enormes abordadas por ocupantes de carrões pretos.

Fui alertado pelo guardinha da rua: não são moças. Naquela esquina, há dois anos Ronaldo Nazário recolheu Andréia Albertine. No motel (será?), notou que apalpava um zagueiro. O guardinha me contou e disse: cuidado. Cuidadoso, fui dormir.

A uma quadra dali, fica o point da lendária barraca do Pepê. E tem o trailer Viajandão, frequentado por Romário e seus peixes. Ronaldinho poderia virar um surubi do deputado. Poderia meter seis gols num clássico Flamengo x Bangu e ser convocado de novo para a Seleção.

Ronaldinho poderia tanto no Rio. Ficaria ao lado do filho, João. Cantaria Lupicínio na barraca da Célia. Iria dormir ao lado da piscina e acordaria encharcado da mais doce maresia do mundo. Se sobrasse tempo, poderia até jogar bola.

Mas não daria certo. O lugar do guri é o Grêmio. Estão erguendo um prédio imenso bem ao lado da cobertura na Barra. Vão tirar parte do sol de Ronaldinho no Rio. O Maracanã em reforma e a praia que esperem. Antes, Ronaldinho precisa juntar o corpo à alma que um dia deixou na Azenha.

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