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sábado, 7 de junho de 2008
08 de junho de 2008
N° 15626 - David Coimbra
O sumiço da russa
Aquela russa do circo. A do bambolê.
Você talvez não saiba - é uma ginasta do Cirque du Soleil. Ela faz um número com bambolês. Uns cinco ou seis bambolês. Ela gira um bambolê numa mão, outro na outra, mais dois na cintura que cabe no círculo que faço com os polegares e os indicadores e o quinto no pé e o pé vai lá no alto, ultrapassa a linha da cabeça amarela da russa.
Ela se contorce toda, essa russa, é muito flexível e alongada, consegue abrir as pernas num ângulo de 180 graus, sempre ondulando o corpo como uma serpente loira, sempre com os bambolês girando, um assombro de elasticidade e equilíbrio.
No primeiro dia do circo aqui em Porto Alegre, ela foi a uma recepção, comeu algo, uma comida gaúcha, churrasco, feijão mexido, espinhaço de ovelha, sei lá, e passou mal. Dizem que teve infecção intestinal, ficou 10 dias sem trabalhar e perdeu oito quilos.
Por sorte, fui ao circo quando ela voltou. O número dela é muito bom, um dos melhores do show, mas não é só isso. Não mesmo. Essa russa se apresenta no picadeiro e caminha pelo mundo e olha para a platéia de um jeito blasé.
Ela está ali, fazendo algo muito difícil com aqueles bambolês, mas parece desinteressada, parece meio enfarada, parece que vai suspirar de fastio a qualquer momento.
Ela está integrada ao espetáculo, mas ao mesmo tempo paira um pouco acima de tudo aquilo. Superior, uma imperatriz russa, é o que é essa Maria Silaeva, que é assim que ela se chama.
Enquanto a admirava durante sua apresentação, fiquei pensando nos seus 10 dias de sumiço. Infecção intestinal. Sei.
Comecei a fantasiar. Vai ver ela foi abduzida por um amante gaúcho, alguém que se espantou tanto com a performance dela e com sua elegância e com o natural desdém que ela sente pelo mundo, que a abordou com o tipo de determinação que impressiona qualquer mulher e lhe prometeu o paraíso e fez isso com tamanha convicção, que ela, uma mulher livre, que roda pelo planeta sem jamais se apegar a nada nem a ninguém, pensou: por que não? Por que não experimentar o sabor de uma aventura latina?
Assim, a loira russa e seu amante ao Sul do Equador internaram-se em alguma mansão, em algum hotel-fazenda cheio de estrelas e se amaram e viveram o melhor dos mundos.
Foram tão intensos esses dias de amor que ela emagreceu oito quilos. Mas, ao cabo deste período de deleite e luxúria, ela se cansou. Dez dias bastaram para a pequena tzarina empanzinar-se de lascívia e entediar-se com o galã dos Pampas.
Despediu-se dele com o nariz perfeito apontando para o céu azul de Porto Alegre e voltou para as luzes do circo e para o olhar embasbacado de todos os outros homens da cidade. Ela não podia ser de um só. Ela é do mundo todo.
Ele? Ele ficou lá, continua lá, arrasado, um trapo humano ainda prostrado na cama em que conheceu a felicidade, a beatitude total, o olor do Sétimo Céu.
Pelo menos é assim que eu gostaria que tivesse acontecido. Pelo menos é assim que devia ser.
O fato é que qualquer despedida, quando definitiva, dói. Iarley sabe disso, ele que chorou ao se despedir do Inter. E eu aqui, eu que estive com o Inter na maior conquista de sua história, em Yokohama, eu bem sei o que Iarley significa. Iarley ganhou aquele mundial. O Renato Portaluppi do Inter não foi Gabiru. Foi Iarley.
Os torcedores talvez não se lembrem, mas o Inter estava se despedaçando na segunda metade do segundo tempo daquela partida. No momento em que Gabiru entrou em campo, quem saiu foi Fernandão. Pato já havia sido substituído. Índio sofria com o nariz fraturado. Os jogadores já sentiam cãibras, já mostravam sinais de exaustão. O Inter se esfarelava.
Foi então que Iarley entrou em ação.
Primeiro no lance do gol: esperou que Gabiru se posicionasse, esperou, esperou, esperou como só quem sabe o que faz espera. E enfiou o passe na medida precisa, uma tacada de sinuca.
Depois do gol, Iarley, sozinho, segurou o Barcelona. Isso não há quem faça melhor no Brasil: Iarley arrastava a bola para a linha lateral esquerda do gramado e, com o corpo retaco, a protegia dos aflitos atacantes do time catalão.
Foi assim até o final. Iarley ganhou aquele jogo. Ninguém foi maior do que ele, nos confins do Japão. Por isso o choro na saída.
Iarley, como o meu imaginário amante da ginasta russa, teve o mundo em suas mãos. E agora tudo parece que foi só um sonho.
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