segunda-feira, 3 de março de 2008



DIÁLOGO ENTRE UM SUPLENTE DE SENADOR E UMA TÊNIA


Meus personagens andam esquecidos. Onde foram parar Guma, o oráculo de Palomas e Candoca, o otimista nacional? Ignoro. Apresento-lhes Néscio da Silva, suplente de senador. É um tipo genuinamente brasileiro.

Assim como o grande escritor Flaubert pôde dizer de sua mais famosa personagem, 'Madame Bovary sou eu', não terei dificuldade em assumir a paternidade da minha criatura: Néscio da Silva sou eu. Nosso parentesco e nossas afinidades são explícitos, o que facilitará o trabalho dos nossos eventuais desafetos.

Não me venham, portanto, com acusações infundadas e de cunho ideológico mal dissimulado. Eu jamais associaria Néscio da Silva ao presidente da República. De resto, Néscio da Silva, como eu disse no começo, é suplente de senador. Fui claro?

Néscio é um homem de muitas capacidades e nenhum preconceito, assim como de nenhum voto. Seu nome já é um desaforo e uma demonstração da falta de elegância do seu autor. Que fazer? Sou um escritor determinado a mostrar a cor local custe o que custar.

Em geral, custa dez por cento. Quer dizer, quero revelar a cor política nacional sem câmera escondida. Outro dia, por exemplo, Néscio teve uma conversa com uma tênia. Estão surpresos? Acham que é realismo fantástico? Não acreditam?

Ora, quanta gente acredita que o mensalão não existiu! Em Brasília, em função das atribuições dos parlamentares, tudo é possível, até demonstrações de honestidade, embora estas, por uma questão de decoro, sejam parcimoniosas e mal remuneradas.

Não pega bem ficar exibindo gratuitamente manifestações de moralidade pública como se isso fosse algo raro. Ao contrário do que diz o célebre adágio, a mulher de César precisa ser honesta, não parecer.

A tênia mostrou-se agressiva e insultou o senador Néscio chamando-o de parasita da nação. Reconheçamos que não se trata de uma tênia muito original nem criativa.

Se duvidar, é uma tênia saudosa da ditadura militar. Certamente leu pouco e passou o verão vendo o 'BBB8'. O senador rebateu no mesmo tom. Bem se vê que os senadores já não têm a compostura de antigamente e agem como se chafurdassem no lodo.

Aos poucos, a argumentação da tênia começou a ganhar em consistência, uma consistência, diga-se de passagem, bastante desagradável e escura. Garantiu não ter foro privilegiado, não ter imunidade parlamentar, não ter auxílio moradia e não ter verba especial de gabinete.

Reclamou de viver na insegurança, podendo ser caçada a qualquer momento, sem possibilidade de renúncia para salvar o mandato. Sem contar, segundo disse fazendo um ar de quem já vai vomitar, que precisa ter estômago, quer dizer, precisa suportar entranhas de senador.

Néscio exaltou e começou a gritar: 'Verme, verme, verme'! Decididamente não se pode esperar qualquer diálogo empolgante do ponto de vista literário de uma altercação entre uma tênia e um suplente de senador.

Por vezes, registro por zelo profissional, já se ouviu pior num encontro de dois senadores. Mas isso, felizmente, já faz parte do passado, um passado distante de, no mínimo, duas semanas.

Não posso negar, contudo, que dessa conversa uma frase da tênia me chamou a atenção, uma definição de suplente de senador: parasita que precisamos expelir o mais rápido possível para liberar a nação de um corpo estranho e nocivo ao organismo social.

Já tomei conhecimento de noções mais delicadas e espirituosas, mas raramente de uma tão grosseiramente pertinente.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima segunda-feira e uma execlente semana. Para quem está voltando aos bancos escolares sucesso em todas as disciplinas.

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