quarta-feira, 5 de março de 2008



05 de março de 2008 | N° 15530
David CoimbraLatera


A história de uma farsa

As mães de laterais que me perdoem, mas o lateral é um ser subalterno. Sempre foi.

Verdade que antes mais. Refiro-me ao tempo em que os homens eram homens, as mulheres eram mulheres e os laterais eram laterais. O Armando Nogueira conta uma história ilustrativa daquela época de ouro. Houve uma batida na casa de tolerância de uma cidade do interior de algum lugar.

Todo mundo preso. Na delegacia, os detidos foram postos em fila diante da mesa do escrivão. Que chamava um a um, perguntava nome e profissão, registrava e mandava adiante. Então deu-se:

- O próximo! O gajo avançou um passo:

05 de março de 2008
N° 15530 - Martha Medeiros


Antes de partir

Um filme cujos protagonistas são Jack Nicholson e Morgan Freeman, com diálogos bem construídos e um humor inteligente (mesmo tratando de um assunto difícil como a finitude da vida) já entra em cartaz com vantagem, mesmo que o roteiro não seja lá muito surpreendente.

Antes de Partir não é mesmo surpreendente, mas isso também pode ser uma coisa boa. Ficamos sempre correndo atrás de fórmulas novas quando deveríamos nos dedicar mais a reforçar certas verdades.

E a verdade do filme, se pudesse ser resumida numa frase, seria: aproveite o tempo que lhe resta. Nada que você já não tenha escutado mil vezes.

Nicholson e Freeman interpretam dois sessentões que descobrem estar com uma doença terminal. Os prognósticos apontam seis meses de vida para cada um, no máximo um ano. E agora? Esperar a extrema-unção numa cama de hospital ou buscar a extrema excitação?

Sem piscar, eles aventuram-se pelo mundo praticando esportes radicais, conhecendo lugares exóticos, desfrutando todos os prazeres de uma vida bem vivida - claro que um deles é milionário e banca tudo, detalhe que nos falta na hora de pensar em fazer o mesmo. Você não pensa em fazer o mesmo?

Você, eu e mais 6 bilhões de homens e mulheres também estamos com a sentença decretada, só não sabemos o dia e a hora.

Está certo que é morbidez pensar sobre isso quando se é muito moço, mas alcançando uma certa maturidade, já dá pra parar de se iludir com a vida eterna, amém. Com dinheiro ou sem dinheiro, faça valer a sua passagem por aqui. Não sei se você percebeu, mas viver é nossa única opção real.

Antes de nascermos, era o nada. Depois, virá mais uma infinidade de nada. Essa merrequinha de tempo entre dois nadas é um presentaço. Não seja maluco de desperdiçar.

Ok, quantos de nós podem sair amanhã para um safári na África, para um tour pelas pirâmides do Egito, para um jantar num restaurante cinco estrelas na França?

Ou teria coragem de saltar de pára-quedas e pisar fundo num carro de corrida numa pista em Indianápolis? Se não temos grana nem dublês, então que a gente se divirta com outro tipo de emoção, que o filme, aliás, também recomenda.

Reconheçamos o básico: uma vida sem amigos é uma vida vazia. O mundo é muito maior que a sala e a cozinha do nosso apartamento. A arte proporciona um sem-número de viagens essenciais para o espírito. Amar é disparado a coisa mais importante que existe.

Que mais? Desmediocrize sua vida. Procure seus "desaparecidos", resgate seus afetos. Aprenda com quem tiver algo a ensinar, e ensine algo àqueles que estão engessados em suas teses de certo e errado.

Troque experiências, troque risadas, troque carícias. Não é preciso chegar num momento limite para se dar conta disso.

O enfrentamento das pequenas mortes que nos acontecem em vida já é o empurrão necessário. Morremos um pouco todos os dias, e todos os dias devemos procurar um final bonito antes de partir.

Uma ótima Quarta-Feira - Dia Internacional do Sofá. Aproveite para aqueles amassos.

- Sim, senhor. - Nome! - Bedeu. - Profissão. - Eu marco ponta.

Eis o resumo do que era um lateral. Um marcador de ponta. O lateral não podia ultrapassar a fronteira da linha divisória. Ele desarmava o ponta, tocava a bola para o centromédio, que, número 5 às costas, distribuía o jogo cheio de pose, sobranceiro, cabeça erguida como um mordomo inglês, o iniciador das jogadas de ataque.

O primeiro lateral que se arriscou para o lado de lá do campo foi Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol. Depois, de lateral ofensivo, mas ofensivo mesmo, surgiram Nelinho na direita e Marinho na esquerda, laterais com veleidades de marcar gol.

Marinho era loiro feito uma Marylin. Gostava mesmo era de jogar no ataque. Em 1974, Leão, então goleiro da Seleção Brasileira, uma ótima Seleção Brasileira com Rivellino, com Jairzinho, com Luiz Pereira, pois Leão responsabilizou Marinho pela desclassificação do time.

Acusou-o de subir para o ataque e não voltar, acertou-lhe um soco na cara, quando estavam no recôndito do vestiário. Talvez não tenha levado em conta, o Leão, que o Brasil perdeu para o Carrossel Holandês, de Cruyff.

Nelinho jogou naquela Copa. Depois no Grêmio. Foi talvez o melhor lateral-direito que fincou as traves da chuteira em um gramado do Rio Grande, se bem que o Grêmio também teve Eurico e Arce, e o Inter o Claudião.

Nelinho chutava falta e a bola saía cobreando, fazia um esse invertido e entrava no cângulo, mistura de canto com ângulo, como falava meu amigo Beto Zúqui.

Nelinho e Marinho jogariam hoje, tranqüilo. Seriam chamados de "alas". Mas os melhores laterais da história do futebol brasileiro foram Leandro e Junior, do Flamengo. Tão melhores que ambos terminaram suas carreiras como meio-campistas de luz e renome.

Um desperdício manter craques como Leandro e Junior confinados à lateral, mas no meio o Flamengo tinha Andrade, Adílio e Zico, podia dar-se ao luxo.

Depois, com o Flamengo transformando-se paulatinamente em um mondongo futebolístico e administrativo, Junior ganhou sozinho um Campeonato Brasileiro na meia-esquerda, e Leandro, meio machucado, foi jogar de líbero.

A trajetória desses dois prova o que digo: lateral não precisa ser bom de bola. O bom de bola vai para o meio-campo.

Se o lateral for esforçado, se correr muito, se marcar mais ou menos e, ainda por cima, se conseguir cruzar com razoável precisão, ótimo, o cara já tem emprego garantido. O Foguinho dizia, e dizia certo: lateral a gente não compra, a gente faz em casa.

E é isso: pegue um meio-campo com fôlego e mande-o correr junto à última faixa longitudinal do gramado. Pronto, está resolvido o seu problema de lateral.

O que aconteceu dos anos 80 para cá foi que o lateral conquistou prestígio imerecido. Por causa da extinção do ponta, naturalmente. Só tem o seguinte: a extinção do ponta não se deu devido à ação do lateral.

Não foi como o capitalismo, que derrotou o comunismo em definitivo, derrubando muros e tudo mais. Não. O ponta foi extinto pela necessidade dos treinadores de tornar sólido o meio-de-campo. Sacaram um gaiato do ataque e o recuaram para o meio.

Um dos pontas no caso. Eliminando um dos pontas, o outro só pode ser eliminado também, para que o ataque não fique torto para um lado. Foi desta forma que surgiu o assexuado "atacante de velocidade".

A partir desse impasse, o lateral conquistou sua promoção - os jogadores estavam todos espremidos no meio, alguém tinha de ir para a ponta. Quem?

O lateral. Ou "ala", como o rebatizaram. Ala, francamente. O ala é um engodo. Uma mentira. Dizem do ala que, se ele for ala ala de verdade, não tem obrigação de ser grande marcador, desde que ataque com eficiência.

Ou seja: trata-se de um ponta disfarçado! Só que pior que o ponta. Ora, se querem alguém que vá lá na frente e cruze e vez em quando faça gol, por que não botam ponta? Muito mais autêntico!

Um time que tenha ponta e tenha lateral, acredite, perplexo leitor, esse foi o time do passado, e será o do futuro.

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