quarta-feira, 31 de março de 2021


31 DE MARÇO DE 2021
CRISE EM BRASÍLIA

Em reunião tensa, chefes das Forças Armadas são demitidos

Grupo planejava entregar os cargos em razão de ingerências políticas de Bolsonaro e novo ministro antecipou as exonerações

Contrariada por não concordar com a politização dos militares, toda a cúpula das Forças Armadas foi substituída pelo governo Jair Bolsonaro. Os chefes do Exército (Edson Leal Pujol), da Marinha (Ilques Barbosa) e da Aeronáutica (Moretti Bermudez) foram demitidos após reunião no Ministério da Defesa, ontem pela manhã, com o novo titular da pasta, general Walter Braga Netto.

O encontro foi marcado por frases duras e tapas na mesa, segundo apuração do jornal Estadão. Pujol entrou paramentado, com bota de montaria, culote e carregando bastão de comandante, enquanto Ilques e Bermudez usavam fardas sociais. Braga Netto chegou com a ordem de dispensá-los. Abriu a reunião com esse comunicado. Justificou que as mudanças eram para "realinhamento" das Forças Armadas com Bolsonaro e a manutenção do apoio ao governo.

Pujol, Bermudez e Barbosa já planejavam entregar os cargos em solidariedade à demissão do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, no dia anterior, mas os chefes da Marinha e da Aeronáutica consideravam até ficar a depender do teor da conversa. Braga Netto, porém, não deu tempo para o anúncio de qualquer decisão. O novo titular da Defesa já tinha as demissões prontas.

A portas fechadas houve várias contestações sobre a forma da dispensa. Um dos oficiais cobrou duramente Braga Netto ao lembrar que as Forças Armadas são instituições de Estado, e não de governo. Em recentes manifestações, Bolsonaro tem se referido ao Exército como "meu Exército", contrariando a caserna.

O Estadão apurou que o mais exaltado era o almirante Ilques Barbosa. Conhecido por colegas por ser um cavalheiro, muito educado, Ilques perdeu a paciência e elevou a voz. Quando o tom subiu e o clima ficou ainda mais tenso, os ajudantes de ordens foram saindo "à francesa" do gabinete.

Os oficiais já haviam combinado no dia anterior, após a demissão de Azevedo, em reunião entre eles, que não dariam nenhum passo que pudesse violar a Constituição ou caracterizar interferência em medidas tomadas por governos estaduais na pandemia. Também deixaram claro que jamais concordariam com ingerência no Legislativo e no Judiciário.

Divergências

Na lista das seis mudanças ministeriais promovidas por Bolsonaro na segunda-feira, a que mais surpreendeu foi justamente a de Azevedo e Silva, definido por seus pares como competente e sensato. Azevedo e Silva foi assessor especial do ministro Dias Toffoli quando o magistrado presidia o Supremo Tribunal Federal (STF). O encontro do então ministro com Bolsonaro, na segunda-feira, durou três minutos. O tom foi seco.

- Preciso do seu cargo - disse o presidente a Azevedo e Silva.

Auxiliares do general afirmam que ele já desconfiava estar na berlinda por ter sido contrário à tentativa de Bolsonaro de substituir Pujol.

O chefe do Exército e Bolsonaro já vinham se estranhando há tempo porque o comandante sempre resistiu a ofensivas do presidente.

Em novembro de 2020, Pujol declarou que os militares não querem "fazer parte" da política. A afirmação ocorreu dois dias após Bolsonaro dizer que, "quando acaba a saliva, tem de ter pólvora", ao se referir à possibilidade de o país receber sanções por conta do desmatamento na Amazônia.

- Não queremos fazer parte da política governamental ou política do Congresso Nacional e muito menos queremos que a política entre no nosso quartel - disse Pujol em evento online.

Um dia depois, o general do Exército voltou ao tema. Em um seminário, ressaltou:

- Não somos instituição de governo, não temos partido. As Forças Armadas cuidam do país, da nação. Elas são instituições de Estado, permanentes. Não mudamos a cada quatro anos.

Após essas declarações, Pujol, Ilques Barbosa e Moretti Bermudez assinaram nota conjunta em que afirmavam que a separação entre políticas e as forças militares é princípio constitucional.

O maior foco de críticas a Bolsonaro nas Forças Armadas, porém, está na Marinha. Integrantes da força sempre classificaram como inadmissíveis a postura do presidente e os erros cometidos por ele na pandemia - incentivando aglomerações e desestimulando o uso de máscaras.

Agora, o nome mais cotado nos bastidores para o lugar de Pujol é o do comandante militar do Nordeste, general Marco Antônio Freire Gomes, segundo o Estadão. Porém, conforme militares que acompanham a negociação, Bolsonaro teria de "aposentar" seis generais mais antigos do que Freire Gomes. Isso porque eles passam à reserva se um oficial mais "moderno", com menos tempo de Exército, for alçado ao comando.

Repercussão

Em entrevista à colunista de GZH Kelly Matos, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência e general Sérgio Etchegoyen avaliou que as Forças Armadas estão "maduras" e "não se afastarão do papel constitucional". Em rede social, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se manifestou: "Não bastasse a pandemia e o difícil momento econômico, há inquietação entre chefes militares. Espero que as Forças Armadas se mantenham fiéis à Constituição. Mandamento que vale para todos os cidadãos".

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