terça-feira, 16 de março de 2021


16 DE MARÇO DE 2021
ALMANAQUE GAÚCHO

Um romance da história da imigração italiana

O texto a seguir é uma colaboração da escritora Eliane Tonello.

A história da imigração italiana no Rio Grande do Sul se iniciou no fim do século 18 e começo do século 19, intensificando-se entre 1870 a 1914, com o programa colonizador criado pelo governo brasileiro, que possibilitou a entrada no Rio Grande do Sul de oitenta a cem mil imigrantes. Segundo dados da Universidade Federal de Pelotas, entre 1870 e 1872, o governo imperial decide povoar as áreas da província de São Pedro do Rio Grande do Sul com o objetivo de ocupar territórios vazios. 

A Serra gaúcha foi a escolhida por ser mais próxima da Capital, e pela semelhança do clima e tipo de solo com a Itália, favorecendo a cultura da uva e fabricação de vinho. Em 1874, iniciou a demarcação das Colônias Imperiais, sendo que as primeiras foram: Conde d?Eu (Garibaldi) e Dona Izabel (Bento Gonçalves); Colônia Fundos de Nova Palmira (Caxias do Sul); Colônia Álvaro Chaves (Veranópolis); São Marcos e Antônio Prado. Em 20 de maio de 1875, chegaram em Campos dos Bugres (Caxias do Sul) os primeiros italianos e, a partir desta data até 1914, se processou o primeiro ciclo imigratório. O ponto culminante da imigração, entre 1884 e 1894, alcançou cerca de 60 mil italianos, diminuindo, a partir de então, com o cancelamento da concessão de passagem transoceânica pelo governo republicano.

A viagem de navio durava em torno de quarenta dias. Os viajantes enfrentavam tempestades, fome, sede e doenças. A primeira parada no Brasil era o Rio de Janeiro. Depois, porto de Rio Grande, seguindo então pela Lagoa dos Patos até Porto Alegre. A abertura de estradas fazia parte do trabalho compulsório que durava em torno de semanas até meses, por isso a necessidade de barracões para servirem de abrigo. Com a escassez de alimento, o pinhão salvou muitos imigrantes. Somente mais tarde recebiam do governo o lote de terra, sementes e ferramentas agrárias (machado, facão, enxada e pá). Os italianos trouxeram na bagagem a forte relação de cuidado com a família, a cultura do vinho e o respeito pelos animais. Muitos produtos de sustento básico acabaram por expandir sua comercialização de forma tal que culminou no aparecimento das primeiras indústrias.

Através da religião, os italianos exerceram grande influência na cultura rio-grandense. As comunidades católicas eram centro de encontros. Havia a igreja, a reza do terço, e a capelinha que passava de casa em casa, fatos que facilitaram muitos casamentos.

Herdeira desta cultura e tataraneta de imigrantes, escrevi um romance que se intitula A Espiral de Gerações. É a história do personagem Johann, que inicia antes mesmo de embarcar no Porto de Gênova, na Itália. Depois, relato com minúcias fatos ocorridos durante a viagem e a vida construída no município de Bento Gonçalves, na Serra gaúcha. A chegada à Colônia Dona Izabel ocorreu no ano de 1887, quando poucas eram as moradas.

Os capítulos são curtos e intensos, entrelaçando mundos oníricos, reais e ficcionais que conservam memórias e segredos permeados em gerações. O cachorro "guardião" e o alazão foram companheiros de percurso, bem como o pinhão, que mantinha o personagem vivo. A criatividade acompanha Johann ao cruzar o continente, as costuras, os consertos e a fabricação de utensílios domésticos, lhe possibilitaram a subsistência. As chagas nas mãos e nos pés denotavam a própria essência da liberdade. Através do trabalho com o arado, a construção de taipas de pedras e o cuidado com as videiras, foi-lhe garantida a sobrevivência. No Rio Grande do Sul, Johann constrói sua identidade, uma família e o seu destino.

RICARDO CHAVES

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