20 DE MARÇO DE 2021
MARTHA MEDEIROS
Realeza e realidade
Quando criança, figuras monárquicas eram personagens da minha imaginação, com todos os estereótipos que lhes cabiam: a princesa bela, a rainha ardilosa, o príncipe salvador, o rei indolente - nada que me mantivesse muito tempo acordada. Castelos? Preferia os que eu erguia na beira da praia, excitada com a proximidade da onda que talvez preenchesse de água o fosso que eu havia cavado com as mãos ou, se viesse forte, pusesse abaixo minha fortaleza medieval. Já visitei castelos de verdade e nenhum jamais me comoveu ou me pareceu tão lindo quanto os que foram feitos de respingos de areia molhada escorrendo pelas pontas dos meus dedos.
A fantasia supera a realidade por um curto tempo de nossas vidas. Depois, temos que fazer a travessia. De minha parte, não via a hora. Desde cedo intuía que a realidade seria muito mais fascinante. Hoje observo príncipes e princesas de carne e osso, falíveis, traidores das fábulas infantis, mas que se tornaram muito mais interessantes quando pararam de nos acenar a distância.
Não é de hoje que a mundanidade atravessou as pontes levadiças e invadiu os portões dourados da monarquia. E, surpresa, lá dentro, estão todos nus. Reis se divorciam e são acusados de corrupção, duquesas paqueram DJs e leem livros de feministas, príncipes tomam cerveja e usam jeans rasgados. A plebe fica dividida: por um lado, vê furtadas as suas ilusões. É difícil abrir mão do sonho do "para sempre". Por outro lado, como não se deixar atrair pelo estilo "gente como a gente" de seres que imaginávamos tão especiais?
Assisti à entrevista de Harry e Meghan como se fosse uma mosquinha numa sessão de terapia. Indiscrições foram servidas em bandeja de prata. Certamente havia subtextos e recados nas entrelinhas, estratégias e ambições não reveladas - dizem os tabloides que Meghan planeja concorrer à sucessão de Biden na presidência dos Estados Unidos, e eu duvido, mas nem tanto: a realidade também é um mundo encantado, onde tudo pode acontecer.
O que havia de claro era um casal jovem tentando respirar. Buscando saídas contra a orientação autoritária "é assim que as coisas são", que também já escutamos de nossos pais, os reis e rainhas de nossos apartamentos de dois quartos. Mudam os cenários, os sobrenomes, as heranças genéticas, mas por baixo da pele somos todos iguais, sem nenhum sangue azul, com muito sangue quente, fazendo e dizendo besteiras, sendo sinceros a despeito da desconfiança alheia, procurando um jeito de ser feliz que não irrite muito os outros. Estas são as histórias reais, o resto é família irreal. Para quem ainda se agarra ao "pra sempre", restou apenas a simpática e longeva rainha Elizabeth, soberana em desafiar o tempo.
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