13 DE MARÇO DE 2021
MONJA COEN
OS DILEMAS DA HIPERCONVIVÊNCIA
As águas do mar. As águas de março. As águas dos poços profundos, das nascentes subterrâneas. As águas das cachoeiras. As águas do Guaíba. As águas são líquidas. Algumas vezes congelam. São duras, quebram moléculas e ossos. De outras vezes macias, mas insistentes, furam as rochas.
Nosso corpo é 75% líquido. Mas esse líquido pode empedrar. Um obstáculo no fluir dos líquidos dentro dos tubos, vasos e artérias. Nos rins, pode virar cálculo, pedrinha ou pedrona. Dizem que o coronavírus pode fazer os pulmões - que são duas esponjas macias - ficarem empedrados, enrijecidos, nos impedindo de respirar.
Respiro e caminho em círculos nos pequenos espaços dentro das grades da minha cela. Monjas gostam de viver em celas individuais. Pequeninas. Uma cama pequena, uma mesa também pequena, uma cadeira, um armário e uma lâmpada. Em alguns mosteiros, há um pequeno genuflexório, onde as monjas podem se ajoelhar para orar. Vida de oração, de estudo, de trabalho, de meditação.
Hoje há quem fale em hiperconvivência. É como hipermercado - tem de tudo, tem muito, em excesso. Excesso de conviver em casa com o povo que mora conosco. Cada dia mais irritados e impacientes uns com os outros. Mas alguns são capazes de rir e de encontrar a leveza.
Algumas vezes somos espelhos uns para os outros. Há espelhos que deformam nossa imagem, e se só tivermos esse espelho acabamos pensando que a deformação é o real. Complicado. Há quem só veja faltas e erros. Há quem só veja beleza e acertos. É preciso encontrar o centro.
Pense bem. Está mal ficar em casa com essa turma? Melhor morrer? Ou que a turma morra? Imagine-se só em casa, no quarto, na sala. Ninguém querendo usar o banheiro ou estar no banheiro quando você precisa ir. Céu? Paraíso?
Comer o que quiser, quando quiser. Ver TV o tempo todo ou nunca. Livre. Livre de falas, conversas, vigias. Livre para ser e para não ser. Por que, então, no Japão criaram o Ministério da Solidão? Há gente que não sabe ficar só, acaba se matando. Que desperdício.
Poder ficar com você é poder escolher o que vai ler, assistir, com quem vai conversar, o que faz quando ninguém está por perto. Mas que gostoso ter alguém por perto para rir e para chorar, para dialogar, ler um poema, um trecho de um livro. Para isso é preciso criar rima, afago, afeto, estima.
Minha mestra no mosteiro feminino de Nagoya sempre nos aconselhava dizendo: "O lado do avesso deve ser tão bonito, tão bem acabado, como o lado direito".
Pense bem. Mesmo que haja cinco pessoas na casa, sempre há um canto na sala onde você pode se sentar virada para a parede. Alinhar a coluna vertebral. Respirar conscientemente e estar absolutamente presente. Como se não houvesse mais nada a fazer. Não é relaxar. Não é descansar. É estar. Todos os sentidos funcionando livremente. Sons, imagens, luz, sombra, pensamentos, memórias, sentimentos, sensações - tudo existe, tudo faz parte e tudo passa.
Como a brisa. Como as águas. Nenhuma gota de água passa duas vezes pelo mesmo lugar. Será outra esta gota que agora rola para o mar.
Aprecie a vida. Reconheça-se em cada ser e se imagine lá no céu, em cima de uma nuvem olhando a terra, você na janela e uma gota de água suavemente pousando na ponta de seu nariz. Mãos em prece...
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