23 DE MARÇO DE 2021
NÍLSON SOUZA
Mutações
A literatura da época nos conta que a Gripe Espanhola de 1918 durou três anos e matou entre 50 milhões e 100 milhões de seres humanos, estimativa com estratosférica margem de erro devido à falta de ferramentas estatísticas confiáveis e à censura vigente na Primeira Guerra Mundial. Uma das hipóteses científicas mais aceitas para o fim da praga, sem uma intervenção eficaz de remédios ou vacinas, é a de que o vírus teria sofrido mutações que o tornaram menos letal.
Sempre é uma esperança, embora na atual pandemia só se veja o vírus mudando para pior. Todo dia tem uma nova cepa mais ameaçadora do que as anteriores desafiando a ciência, a nossa compreensão e a fraternidade universal. Como ocorreu um século atrás quando a pandemia foi adjetivada de espanhola unicamente porque a Espanha tinha liberdade de imprensa por não participar diretamente da guerra, agora também se percebe uma rotulação xenófoba para as variantes identificadas.
Cada vez que alguma nova linhagem é descoberta, um país, Estado ou cidade vai para o mapa dos indesejados. Fronteiras se fecham para os seus cidadãos e autoridades mundiais passam a vê-los menos como vítimas e mais como culpados. Em âmbito paroquial não é muito diferente: temos uma tendência de olhar para os infectados como se eles tivessem cometido algum pecado para merecer a doença.
Essa mentalidade, sim, precisa passar urgentemente por mutações. O vírus não se guia por nacionalidade, raça, religião, condição econômica ou tendência ideológica. Nós é que damos importância demasiada para essas classificações segregacionistas que apenas nos diminuem como espécie inteligente, pois - como diz o provérbio popular - quando a gente aponta um dedo para alguém pelo menos três outros da mesma mão se voltam para nós.
Vale torcer para que o vírus se torne bonzinho por algum passe de mágica, mas o que ajuda mesmo é a compreensão de que estamos todos no mesmo barco e que os cuidados têm que ser recíprocos. Em vez ficar apenas culpando chineses, festeiros e negacionistas, estaremos dando uma contribuição melhor para a humanidade se nos cuidarmos por nós e por eles.
Que o outono não nos tire a esperança da primavera.
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