27 DE MARÇO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL
BRASIL ESTRUTURAL
O livro de Sílvio de Almeida, Racismo Estrutural (2018), atualizou o debate sobre a violência no Brasil, a partir da análise de um dos horrores de nossa sociedade, o racismo histórico. Essa obra concede lucidez para encararmos desafios éticos inadiáveis e, ao mesmo tempo, recoloca em circulação a palavra estrutura, que tem longo histórico nas Ciências Humanas. Assim, como parte da estrutura desta crônica, pergunte-se: o que pode significar estrutura, para a análise das sociedades?
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) usaram o termo estrutura para contrastar dois níveis da sociedade, a partir da base (em alemão, Bau), ou infra-estrutura, em que o embate nas relações de produção decide a natureza do regime social; é onde a luta de classes tem dimensão econômica. Em livro de 1859, Marx designou como superestrutura (Überbau, edifício) o conjunto de relações sociais determinadas pela base, tais como a cultura, a religião, a política, as instituições, os papéis sociais e a forma do Estado.
O conceito de ideologia complementa essa descrição, e foi consagrado no livro Ideologia e os Aparelhos Ideológicos do Estado (1970), de Louis Althusser (1918-1990). Desde então muita coisa mudou, mas intelectuais atuais, como o francês Thomas Piketty (que o Fronteiras do Pensamento trouxe a Porto Alegre em 2017) tratam de revisar e difundir o valor desses conceitos, que nos permitem compreender porque o Brasil é a pátria da iniquidade e da miséria - e não é por falta de riqueza, mas sim pela forma com que esta é apropriada e concentrada.
Paralelamente, os estudos etnográficos e linguísticos aplicaram o conceito de estrutura para analisar comparativamente fatos culturais, encontrar invariantes e descrever regras. Assim compreenderam-se muitos fatos, memórias e comportamentos, como se lê, e.g., no livro The Hero (1936), de Lord Raglan (1885-1964), em que o mito do herói é decomposto em 22 episódios que evidenciam a estrutura de narrativa que aproxima a muitos personagens do folclore e da literatura, como Moisés, Édipo, Rômulo, Jesus, Arthur e outros. Aqui, estrutura significa um quadro de regularidades que ordenam os discursos e os fenômenos culturais.
A revolução no uso desse termo veio no livro Antropologia Estrutural (1958), de Claude Lévi-Strauss (1908-2009), onde demonstra-se como funciona um quadro comparativo de narrativas heterogêneas, em que cada episódio dos mitos é desmembrado e alocado em uma posição correlativa, em uma grade com várias linhas e colunas. Ao final, as histórias comparadas produzem explicação complementar e esclarecem sentidos. Vê-se então que o racismo estrutural, além de entranhado nas instituições e na história, é também parte de um quadro maior em que atuam a tradição oligárquica, a iniquidade, o machismo, a homofobia e, claro, o genocídio.
As estruturas explicam o poder dessa herança triste, mas não nos eximem de discordar dos erros e lutar por uma história em que todos os quadros possam apresentar paisagens iluminadas pelo Sol do respeito, da solidariedade e da harmonia. Com arte, ciência e humanismo, sempre.
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