31 DE MARÇO DE 2021
MARIO CORSO
Qual será sua Páscoa?
Minha filha Júlia era pequena, tinha quatro anos, quando a professora nos chamou para uma conversa. Lá foi a Diana enfrentar o problema: ela propôs o tema da morte para ser discutido entre os colegas na rodinha. A professora ficou preocupada, com razão, não é uma questão para o maternal.
Conversa vai, conversa vem, descobrimos que o assunto que estava sendo trabalhado no grupo era a Páscoa. Como ela estava em um colégio católico, implicava falar na ressurreição de Cristo. Ali estava a origem do tema: para ressuscitar é preciso antes morrer. A questão da Júlia fazia parte da lógica ampla do que fora proposto.
Já havíamos passado por isso um ano antes. Nas férias, em um passeio, encontramos um passarinho morto. Em todos os outros passeios, Júlia nos pedia para rever a decomposição do finado. E íamos. Era morbidez? Tomamos como uma questão filosófica mal colocada, como as crianças geralmente fazem. É próprio do humano a descoberta da finitude. A aquisição dessa consciência fará questão a vida toda. Alguns fazem fobia, outros hipocondria, outros fazem perguntas. A Júlia era precoce para os grandes temas da vida.
Tal como na rodinha do Maternal, a Páscoa é uma festa que nos confronta com um simbolismo contraditório. Por um lado temos a paixão de Cristo, por outro lado coelhos e ovos de chocolate. Como que isso casa? Na verdade não faz sentido direto: o cristianismo se apropriou de datas e festas pagãs que ficaram latentes em paralelo. No hemisfério norte, de onde isso surgiu, agora entra a primavera, época das antigas festas da fertilidade. Neste contexto, o coelho, reprodutor entusiasta, e os ovos, revelam seu sentido óbvio de multiplicar a vida.
Portanto, podemos viver a Páscoa de duas formas. Com ênfase na mitologia cristã, ou no que sobrou das arcaicas crenças europeias. No momento atual, esta escolha tem até um desdobramento prático. Você pode se comportar do lado da multiplicação da vida, preservando a sua e a alheia, ficando em casa. Ou pode arriscar viagens e visitas a parentes, se aproximando da forma como Cristo terminou seus dias aqui.
A tortura da crucificação, pela maneira como a gravidade age sobre o corpo, impede a respiração plena. Tecnicamente é uma morte lenta por asfixia.
As vítimas da covid-19 morrem por asfixia também. O vírus destrói a capacidade pulmonar até que nem as máquinas conseguem nos suprir de oxigênio. Recentemente, passei mais perto do que gostaria por essa condição. Asseguro que não é nada agradável olhar para os canos de onde vem o oxigênio e saber que às vezes nem com ele conseguimos respirar.
Sugiro uma Páscoa viajando pelas histórias e simbologias que essa data nos proporciona, deixando a geografia de lado. Tenho certeza de que Jesus diria para você ficar em casa nessa próxima semana. Boa Páscoa!
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