sábado, 27 de março de 2021


27 DE MARÇO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Não fotografei você na minha rolleiflex

Crianças, houve um tempo em que não se tirava foto assim, a torto e a direito - expressão que é de outros tempos. As famílias tinham, em geral, uma só máquina fotográfica, analógica, do tipo que funcionava se dentro dela houvesse um filme. Sim, antes a coisa era desse jeito. Além de o filme ser caro, para comprar precisava saber a asa, o índice de sensibilidade dele. E também precisava saber, em último caso, fotografar.

Crianças, houve um tempo em que não bastava apontar a câmera do celular e click, habemus foto. A câmera analógica exigia uma certa familiaridade com a imagem, o que nem todo mundo tinha. Filho com a cabeça cortada, árvore pela metade, cachorro tremido, noiva desfocada. Os arquivos de fotos analógicas, aqueles guardados em caixas com cheiro de décadas passadas, estão cheios desses registros tão sinceros quanto engraçados. Há mesmo quem nunca tenha conseguido tirar uma foto boa com câmera analógica na vida, entre os quais me inscrevo.

E havia os slides, que vinham da loja de revelação em montinhos de negativos separados das molduras brancas. Encaixar negativo na moldura podia levar uma tarde inteira de trabalho infantil, dependendo da quantidade. Os slides demandavam projetor e uma superfície clara para serem exibidos. Era um tal de tirar os quadros e as tapeçarias - caprichosamente bordadas pela mãe prendada ou por uma tia habilidosa - da parede da sala, deixando só os preguinhos. Que depois figuravam, inconvenientes, no olho de um primo ou no pastel que alguém comia na imagem.

Feito isso, família e amigos sentavam rapidamente para garantir um lugar no sofá ou nas cadeiras da mesa. Retardatários iam para o mochinho. Ao apagar das luzes, começava o 17º Festival das Férias em Capão da Canoa. Sim, porque os slides serviam unicamente para isso: mostrar as férias em Capão. Não sei o que as famílias faziam com o projetor no resto do ano. Talvez ficasse guardado junto com os enfeites de Natal, esperando o momento de brilhar.

Minha casa não tinha um projetor de slides, nem a gente passava férias em Capão. O que não nos livrava de ver as exibições anuais de parentes, amigos dos pais ou pais dos amigos, quando se dormia na casa de uma coleguinha de aula. O slide era a Netflix de então, cada imagem descrita em seus detalhes para uma audiência que, no final da interminável sessão, lutava contra o sono. Os muito novos e os mais velhos, já vencidos.

Nos slides alheios conheci praias próximas ou um tiquinho mais distantes, o antepassado de um parque de águas e até a freeway, grande novidade nos anos 1970, que um pai qualquer fotografou quilômetro a quilômetro, exibindo a viagem em stop motion para a plateia entediada. E se o cara continuou e é hoje um famoso cineasta experimental premiado em Berlim? Pena não lembrar o nome dele.

Crianças, o mundo na era do slide foi assim, mais amador, mais ingênuo, mais tosco. E, embora sem a tecnologia de agora, dá para acreditar que existia vacina para todos no Brasil? Infelizmente, ainda não havia flogão, vlog ou Instagram para provar. E eu sempre fui ruim na câmera analógica, nem retrato mal enquadrado tenho para mostrar.

Mas fotografei na memória, e imprimi nas marquinhas do braço. Essas posso comprovar.

CLAUDIA TAJES

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